Análise tática: quanto vale Jimmy Garoppolo?

Uma escolha alta de segunda rodada quando estávamos falando da intertemporada de 2017. No meio da temporada de 2018, com ele sendo um Free Agent no final do ano? Uma terceira rodada seria um bom preço. Para os TL;DR, este deveria ser o valor de mercado que os 49ers deveriam ter pago.

Adam Schefter havia falado que Jimmy Garoppolo não sairia de New England, mas é o mesmo papo do ano passado envolvendo Sam Bradford. É o famoso “escolhas na mão, jogador no avião”. E nada melhor que o tempo para provar isso. Avaliar quanto um quarterback vale é complexo e até mesmo os general managers ao redor da liga erram rude, basta lembrar das trocas de Kevin Kolb, Matt Cassel, Carson Palmer (para Oakland) e, mais recentemente, Sam Bradford.

Para entender o valor de Garoppolo é preciso entender o estágio em que ele entrou na liga, o porquê de Bill Belichick o ter escolhido e, principalmente, o quanto ele evoluiu desde 2014. Sejamos sinceros, só olhar as estatísticas e falar que ele soube guiar um ataque complexo é ser simplista demais. E o Pro Football, historicamente, tenta escapar do trivial e analisar as coisas de maneira mais profunda.

O porquê da escolha e a evolução até aqui

Muita gente (inclusive este site, representado pelo finado The Concussion) criticou exacerbadamente a escolha de Jimmy Garoppolo na segunda rodada de 2014. Afinal, enquanto os Broncos e Manning escolhiam alguém para contribuir de imediato (mais precisamente o perdido do Cody Latimer), Belichick estava atrás de um cara que saiu de Eastern Illinois (FCS, a segunda divisão do College, não se percam).

Só que tinha muita lógica por trás. Garoppolo não foi draftado para virar o Matt Cassel 2.0. Ele foi escolhido para ser um possível sucessor de Brady, principalmente pelas suas características em campo. Valor? Oras, ele iria embora no início da terceira rodada, sem sombras de dúvidas – e os Patriots não podiam arriscar perdê-lo. Seu braço era sólido (nunca vai ser confundido com um Michael Vick ou BrettThis is not Detroit” Favre ou até mesmo com um Carson Wentz), porém o que chamava atenção era o seu release – o mais rápido daquele Draft; sem sombras de dúvidas ele soltava a bola rápido.

O sistema de New England, como qualquer pessoa sabe, é baseado em um sistema de passes rápidos e a peça essencial é a precisão e a rapidez do quarterback. Com um release rápido, Garoppolo ainda tinha uma sólida presença de pocket e mobilidade acima da média. Óbvio que ele tinha falhas, como jogar contra defesas mais fracas, o que não lhe permitiu evoluir na leitura das jogadas (Ohio Valley Conference não é a melhor conferência do mundo, sejamos francos), e, principalmente, uma mecânica estranha – o que não lhe permitia ser tão preciso quanto devia.

O que Josh McDaniels mostrou ter feito em todo esse tempo trabalhando com Garoppolo? Ele reconstruiu a sua mecânica. Sai de cena aquele release rápido e estranho e entra um release rápido e extremamente fluido. Duvida? Compare esse passe em profundidade que ele executa na universidade com o passe para touchdown contra os Cardinals:

Enquanto a mecânica quadrada de Eastern Illinois quase o fez perder o alvo (era para ter sido seis pontos no placar), olhe o quanto ele melhorou o efeito do trabalho feito por McDaniels (para quem não sabe, ele também é o técnico de quarterbacks dos Patriots):

Garoppolo trabalhava satisfatoriamente os seus pés no pocket, porém agora consegue uma rotação melhor dos ombros (o que garante ser mais preciso), consegue ter um movimento mais fluido e que não é cortado logo após o passe sair da mão. Todas essas mudanças fizeram a sua precisão nos passes melhorar significativamente.

Agora na NFL o passe caiu no colo de Chris Hogan que só faltou ir andando para a end zone. Com a rotação do ombro, Garoppolo também consegue maximizar a ajuda do corpo na hora da força para o passe em profundidade, o que naturalmente garante um maior alcance – afinal o seu braço não é espetacular. Agora compare a sua mecânica com a de Tom Brady, com quem McDaniels vem trabalhando há tanto tempo:

O principal erro na mecânica está no trabalho de pés quando precisa se movimentar no pocket (aliás, vale a pena ressaltar que sua presença de pocket evoluiu bastante). Brady melhorou muito durante a sua carreira, principalmente em reiniciar o trabalho de pés na hora da pressão e não ser afetado por isso. Além disso, o braço ainda não está totalmente estendido – o que permite mais passes sendo desviados na linha de scrimmage.

Mesmo assim este trabalho todo fez com que Garoppolo se tornasse um cara preciso, como dá para ver nesta janela minúscula que ele acerta o passe contra Arizona:

A rota é uma slant, com um robber no meio do campo e marcação individual de Tony Jefferson – o camiseta #22. A janela de passe aqui é minúscula e mesmo assim ele coloca a bola no colo do seu recebedor, que está em alta velocidade. Até mesmo o próprio Jefferson ficou frustrado no fim da jogada com o passe. Não é como se Garoppolo tivesse virado um Sam Bradford: ele realmente conseguia fazer passes além da linha de scrimmage. Somado isso ao fato de comandar com certa maestria as chamadas de proteção (ele parecia ser o encarregado disso nos dois primeiros jogos), é surpreendente o seu estado de evolução.

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O que há de ruim?

O plano de Bill Belichick, aparentemente, era crescer o calouro por três anos e depois jogá-lo na fogueira, afinal 40 anos é o limite para um quarterback, certo? Só que Tom Brady mostrou que não envelhece e vai continuar jogando por mais dois anos, no mínimo. Sem conseguir uma troca realmente interessante durante a intertemporada, os Patriots acabaram se vendo perdendo valor – e essa não é a filosofia da franquia.

Pense bem: Garoppolo está terminando o seu último ano de calouro e não tem nenhuma rodagem dentro de campo. Precisa ser realmente corajoso em lhe dar um contrato (ou uma Franchise Tag) sem ter nem ideia do que ele pode fazer na NFL. Muita grana para uma aposta, ainda mais que Tom Brady não vai ficar em casa tão cedo.

Neste plano de Belichick, aparentemente, este ano deveria marcar o fim da reconstrução de sua mecânica e o início do trabalho intenso na leitura de jogo. No pouco tempo em campo ficou visível que Garoppolo trabalhava apenas com a sua primeira leitura – no máximo com a sua segunda. Outra característica ruim é a falta de passes antecipados, como nesta jogada:

Esta é uma jogada extremamente complicada do playbook de New England. É uma leitura hi-lo (de cima para baixo) no meio do campo, logo as principais leituras aqui vão ser o linebacker e o single high safety (circulados em vermelho). O primeiro alvo é o wide receiver em amarelo, seguido pela leitura em níveis no meio do campo. Se o safety resolver correr para a lateral, o passe deveria ir para Chris Hogan (rota azul) – caso contrário Martellus Bennett (laranja) deveria ser o alvo.

Se Bennett não chegar a tempo, a quarta (e última) leitura deveria ser a crossing route de Julian Edelman (em roxo). São muitos passos e o segredo aqui é se antecipar e soltar a bola antes do corte – o que não acontece. Garoppolo fica hesitante e segura a bola, não resultando em nada. Tudo bem que é o seu primeiro jogo e ele deve melhorar com o passar dos anos, mas isso mostra que ele está longe de ser um signal caller formado.

Esta falta de segurança nas leituras, claramente, se reflete em um comportamento apreensivo nos momentos de soltar a bola. Muitas vezes ele parece pensar demais, principalmente em rotas em profundidade, o que acaba atrapalhando o passe:

Nesta jogada Matthew Slater vai para o lado direito da formação e vai correr uma post. Como o cornerback acha que tem ajuda por dentro (afinal a cobertura é uma cover 1), o passe vai ter sucesso se o safety no fundo do campo resolver marcar Edelman, que vai correr uma rota para dentro do campo. É um conceito simples e que vai dar certo saindo do play action.

Aqui o safety morde a isca e Slater tem todo o campo para trabalhar, mas Garoppolo fica apreensivo e não solta a bola na hora que deveria – segurando até ter um defensor na sua frente. Isto atrapalha totalmente a sua mecânica e o resultado é um passe muito mais forte do que deveria e que foi incompleto – quando deveria ser um touchdown fácil.

O sistema montado pelos Patriots para as duas primeiras partidas era totalmente baseado em uma ou duas leituras, o que facilitou a vida do signal caller. A grande questão é que em San Francisco ele vai ser o salvador da pátria e o esquema de Kyle Shanahan está longe de ser tão simples. Além disso, sai os passes curtos e entra um jogo muito mais vertical. Segura mais a bola, lê mais a defesa adversária e solta mais o braço. Estilos muito diferentes.

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Valeu a pena realizar a troca?

Historicamente quem deu uma escolha de primeira rodada por um quarterback teve resultados bem mistos, com Brett Favre sendo o destaque. Quarterbacks que vieram de New England? Drew Bledsoe (que foi uma troca de primeira rodada) durou só três anos em Buffalo e Matt Cassel (que foi uma escolha de segunda rodada alta), apesar de ainda estar na liga, durou só quatro em Kansas City – tendo apenas uma temporada realmente boa. Isso sem contar o pelotão de reservas de Brady que não deram em nada  – Bryan Hoyer e Ryan Mallett, notoriamente.

Uma troca dessas pode definir o seu futuro como general manager e a chance de errar é alta. Garoppolo não vai ser um calouro que precisará ter a sua mecânica trabalhada para não ficar errando os alvos para cima ou para baixo (olá Carson Wentz), no entanto fica a questão de como ele trabalhará em um ataque mais vertical. Além disso, ele precisa melhorar muito a sua leitura de jogo e ser mais natural quando tem que soltar o braço em situações não muito ideais.

Por fim, vale ressaltar (e que pouca gente leva em conta) que Garoppolo cresceu em um sistema único em toda a liga e vai sofrer uma adaptação brusca em San Francisco. Ele está chegando no meio do ano, com um playbook totalmente novo, uma filosofia diferente e com um contrato vencendo. É um dos maiores tiros no escuro que poderia se esperar. Os Patriots tentaram renovar o seu contrato durante a intertemporada e não conseguiram – obviamente. Ele vai querer um contrato alto no ano que vem e San Francisco terá que agir quase como o Houston Texans fizeram com Brock Osweiler.

O pior é que os 49ers estão no caminho de conseguir uma escolha realmente alta de primeira rodada – e de segunda também. Em um Draft com tanta profundidade na posição, claramente a franquia não acredita em nenhum dos talentos disponíveis. Em vez de Shanahan desenvolver seu pupilo, ele optou por pegar uma cria de Belichick (com todos os seus vícios, defeitos e qualidades) e adaptar o (ou ao, ainda não sabemos) seu ataque. Ele preferiu um contrato maior e um bom prospecto do que ter que trabalhar com um Josh Allen, por exemplo – pelo menos eles possuem muito espaço no salary cap para tal movimento. Deu certo para Andy Reid ao longo de sua carreira (um pouco) e Mike Holmgrem, mas esses são exceções na história da liga.

No fim das contas, os Patriots conseguiram um valor realmente bom pela situação em que se encontravam (impulsionados pela capacidade de Tom Brady) e os 49ers fizeram uma aposta arriscada. Dar uma escolha de segunda rodada para um cara no fim de seu contrato e no meio da temporada é mostrar o quanto eles acreditam em Garoppolo. A franquia pensa que possui um gênio dos quarterbacks em Kyle Shanahan. Será a hora de ele provar que pode transformar um bom prospecto em um novo Matt Ryan.

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