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Análise tática: Como Andy Reid deu um baile tático em Bill Belichick?

[dropcap size=small]M[/dropcap]aior número de pontos tomados, maior número de jardas cedidas com Bill Belichick no comando. O ataque de Kansas City, tão desacreditado pelo fator Alex Smith e a controvérsia da escolha de Patrick Mahomes no Draft em abril, dominou completamente uma defesa flexível, que parecia ter achado a sua identidade na segunda metade de 2016 e que teve uma épica recuperação durante o Super Bowl.

Aliás, foi essa mesma defesa que segurou o poderoso ataque de Pittsburgh na final de conferência do ano passado – sem Le’Veon Bell, mas mesmo assim o trabalho foi formidável. Como Andy Reid fez isso? Como sempre, o técnico dos Chiefs estava em seu melhor momento com o planejamento estendido. Reid é mestre em se preparar muito bem contra adversários quando ele tem um tempo a mais de folga e não dava para esperar algo diferente para um início de temporada.

A filosofia que Reid implantou não é nova: foi assim que o sistema 2-gap ficou em desuso a muito, muito tempo atrás. Ele apenas inovou, colocou elementos modernos e confiou em seus jogadores, principalmente os de linha ofensiva: foi ali que os Chiefs ganharam a partida. Só que antes de falar mais precisamente deste plano de jogo, é preciso entender como que a defesa dos Patriots funciona. Se você já sabe como ela funciona, apenas pule essa parte e aprecie o trabalho do Morsa.

Nota do editor: este texto contém conceitos bastante avançados para quem está começando agora na NFL. Para ajudar, temos duas opções para você. A primeira é o índice da Blackboard, nossa coluna didática. A segunda é o Manual do Futebol Americano, livro que explica todos os conceitos (gap, tech, 3-4, 4-3 e etc) que você verá abaixo. Com o cupom “podcast” você tem mais desconto nele.

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O sistema híbrido e a reinvenção de Bill Belichick

Belichick sempre foi um técnico do 3-4 no início de sua carreira. Foi assim que ele bateu a K-Gun do Buffalo Bills no Super Bowl XXV (em 1990), mostrando sempre o mesmo esquema em campo e apostando que o coordenador ofensivo, Ted Marchibroda, iria deixar que Jim Kelly ficasse chamando as jogadas. Belichick conhecia Marchibroda dos tempos de Baltimore Colts, lá em 1975, quando foi contratado para analisar videotapes e passar as informações para os técnicos ao longo da semana – o emprego dos sonhos.

Quando chegou em New England, Belichick mudou junto com a liga. Jimmy Johnson aperfeiçoou seu 4-3 da Universidade de Miami para a NFL e começou a colecionar Super Bowls com o Dallas Cowboys – e as pessoas chegaram a conclusão que seu esquema agressivo 1-gap era muito mais flexível do que as pessoas achavam e isso afetou a liga. Na NFL, flexibilidade é tudo. Os grandes técnicos do college são aqueles que possuem os melhores esquemas de jogo. No profissional, os melhores técnicos são os que sabem se ajustar a qualquer situação – e para isso é preciso flexibilidade.

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O resultado é que Bill Belichick começou a implantar um sistema 4-3 over (ou under, dependendo da jogada) que mais era um híbrido de 4-3 e 3-4 1-gap/2-gap. O que começou como um sub-package acabou virando o pão com manteiga, principalmente após a chegada de Vince Wilfork em 2004. Hoje em dia, Belichick deixou o esquema ainda mais flexível: escolheu Malcom Brown na primeira rodada do Draft de 2015 e promoveu Alan Branch para titular. Os dois têm capacidade tanto de ficar no 1-gap quanto no 2-gap, o que deu ainda mais liberdade criativa para a franquia. Note como o 4-3 Under funciona:

Alan Branch (flechas em vermelho) está na 0-tech e marca o meio do campo: do lado direito dele os Patriots estarão em 1-gap e do lado esquerdo em 2-gap. Kyle Van Noy é o WILL que será responsável por apenas um gap e Dont’a Hightower, do outro lado, é o SAM responsável pelo tight end. No meio, David Harris é o MIKE e fará a função de atacar o guard do lado direito da linha. Malcom Brown, do lado direito de Branch e com a flecha azul, vai atacar o B-gap e o defensive end Trey Flowers, flecha laranja, é o responsável no blind side do quarterback. Por fim, Lawrence Guy, flecha verde, assume a função de 2-gap ao lado de Branch.

Hoje o pão com manteiga, apesar de estar presente, foi sendo deixado de lado para a implantação de um 3-4 2-gap. Isso começou a acontecer depois da derrota para o Seattle Seahawks, na qual Belichick viu que a saída de Jamie Collins limitava o seu esquema e ele precisava se reinventar – novamente:

Na maior parte do tempo. Belichick aposta em um front com três jogadores – neste caso Trey Flowers, Malcom Brown e Alan Branch como nose tackle. Apesar do time estar em dime (com três safeties e três cornerbacks), o princípio é o mesmo: Kyle Van Noy e Dont’a Hightower são os caras no meio e a linha abre espaço para o trabalho dos linebackers.

A ideia de Andy Reid e o papel de Kareem Hunt

Um dos motivos do surgimento do 4-3 1-gap foi que os ataques que se movimentavam muito atrás da linha de scrimmage. Jogadores pesados não eram ágeis o suficiente e a movimentação excessiva (principalmente da Triple Option Offense no nível universitário) acabavam criando mismatches a favor do ataque toda hora. Por isso Jimmy Johnson montou um front undersized e atlético, apostando na habilidade e não na força para vencer os bloqueios.

Reid pegou um pouco esta ideia emprestada e a modernizou na partida de quinta: ele precisava de movimentação intensa de seu ataque antes do snap para criar situações de incômodo em Bill Belichick. Só que o técnico principal dos Chiefs incrementou o pensamento colocando a bola na mão de seus melhores jogadores: o running back Kareem Hunt, o wide receiver Tyrek Hill e, principalmente no início do jogo, do tight end Travis Kelce. E isso, claro, com muitas formações no shotgunpistol.

Reid colocou movimentação intensa de seu ataque antes do Snap para criar situações de incômodo em Belichick

Com o início rápido de New England, o plano se manteve: bola na mão de Kelce durante boa parte dos passes curtos e esticando o campo verticalmente com Tyrek Hill, ajudado pela movimentação de De’Anthony Thomas no backfield. Esta postura ofensiva começou a confundir a defesa dos Patriots, ainda mais com Kareem Hunt atuando tão bem no início da partida. Quando a ameaça de Hunt, Hill e Kelce se consolidou (o que coincidiu com a saída de Hightower da partida), o ataque de Kansas City deslanchou:

O divisor de águas foi a saída de Dont’a Hightower, por lesão. Ela obrigou New England a continuar no 3-4 2-gap o resto da partida (quase) inteira. Um sistema pesado contra um time de alta movimentação será um matchup muito desfavorável. Nesta jogada, os Chiefs novamente utilizam De’Anthony Thomas (número #10, que contaria com o bloqueio do pull do guard número #70 a sua frente, que tiraria Kyle Van Noy, número #53, da jogada) se movimentando e Alex Smith tem a opção de entregar para ele ou fazer o pitch para Travis Kelce (depende do que Cassius Marsh, número #55, que substituiu Hightower, fará). Como Marsh não vai para lugar nenhum, o pitch acontece e Kelce continua a conquistar jardas e levar seu time para frente.

O divisor de águas foi a saída de Dont’a Hightower, por lesão.

Foi neste momento que os Chiefs deslancharam para a vitória: New England não tinha mais resposta para Kelce. Sem Hightower, eles resolveram colocar uma combinação de Eric Rowe (o nickelback) e Devin McCourty (o melhor safety) para tentar pará-lo:

Na jogada seguinte, Kansas City tentou utilizar o mesmo conceito de movimentação, mas agora o objetivo era outro: explorar a fraca cobertura dos linebackers que sobraram em campo. A jogada é desenhada para Kareem Hunt correr uma rota wheel (em vermelho) e se beneficiar da marcação dos linebackers. A jogada só deu certo porque para conter a ameaça de Travis Kelce (que ia para o meio do campo, abrindo espaço para Hunt), os Patriots mandaram Devin McCourty na marcação, deixando com que Hill só apostasse corrida contra dois linebackers (Marsh e Van Noy). Na troca, Rowe ficou no fundo do campo com Duron Harmon (o camisa #30) indo atrás de Thomas no flat.



Andy Reid desenhou a partida inteira para explorar esta jogada em cima de Belichick: ela era perfeita. A falta de pass rush (ocasionado pelo 2-gap) deu o tempo necessário para a jogada se desenvolver e o touchdown ser marcado. Neste momento da partida o foco saiu de Kelce e Hill e voltou-se totalmente para Kareem Hunt – que o fez por merecer.

No próximo drive ficou evidente que o foco mudou para explorar a falta de qualidade (e a confusão) dos linebackers. Novamente, uma jogada stretch com o guard #70 Bryan Witzmann fazendo o pull – jogada mais que manjada nos dias de hoje. Com a linha obrigada a ler a jogada antes de atacar, jogadas pelas laterais vão depender da qualidade dos linebackers. Nesta jogada, o guard faz o pull tentando chegar em Kyle Van Noy (camiseta #53), mas novamente o foco será Cassius Marsh (o camiseta #55 protótipo de Dont’a Hightower): se ele for “selado”, isto é, ficar preso no lado de dentro do campo, o touchdown é garantido.

Marsh vacila, principalmente por causa da tentativa de bloqueio do wide receiver Albert Wilson, e deixa toda a lateral para Hunt ir para a end zone. Não importa que o guard não chegou a tempo: a leitura atrasada da defesa deu o tempo necessário para a jogada se desenvolver.

Depois desse touchdown, Belichick colocou Marsh no banco e resolveu dar uma chance ao calouro Deatrich Wise (camiseta #91) na posição de Hightower – algo como um 4-3 Over, quase  um 5-2. Andy Reid já havia dominado a partida e não tinha mais o que fazer:

Mesma jogada da vez passada, só que para o outro lado. Os Patriots tentam voltar para o 4-3 (desta vez Over, visto que está invertido) com Wise perdido completamente. A jogada de stretch, como sempre, depende do sucesso do bloqueio do tight end na ponta da linha ofensiva. Neste caso, o camiseta #84 Demetrius Harris faz o bloqueio em Wise (que facilitou atacando o lado interno da jogada), os dois pulls (do guard e do left tackle) selaram o linebacker Elandon Roberts (camiseta #52) e Malcolm Butler (no finalzinho), deixando Kareem Hunt com uma avenida. Foi o golpe de misericórdia.



O que esperar no futuro?

Esta partida serviu para reforçar duas coisas: Andy Reid montou sua filosofia apostando na velocidade dos alvos em Kansas City e os Patriots não possuem reposição para Dont’a Hightower.

Quando o linebacker saiu, ficou claro o grande problema: Elandon Roberts não possui a qualidade de marcar individualmente necessária, Kyle Van Noy é muito pequeno para assumir o papel e Deatrich Wise e Cassius Marsh estavam completamente perdidos. Ele é uma das peças fundamentais (junto com Devin McCourty) e sua falta fez com que a defesa fosse desmantelada completamente. Também é preciso deixar claro que não foi por causa da ausência dele que os Chiefs ganharam: o esquema ofensivo de Andy Reid estava muito bem montado.

Aliás, a combinação de Hunt, Hill, Kelce e Thomas deve abrir o playbook durante todo 2017. Alex Smith teve janelas maiores para lançamentos em profundidade, o ataque parou de ser previsível e Reid mostrou todo o seu repertório chamando as jogadas. Foi um trabalho espetacular, mantendo a filosofia inicial e não deixando se levar por estar atrás no placar no início do jogo.

Isso não significa que os Patriots estão implodidos ou que os Chiefs vão fazer um 16-0. Apenas que um time estava sendo superestimado além da conta e o outro muito subestimado por todos nós – me incluo nessa. A temporada é longa e qualquer coisa pode acontecer, mas o jogo de quinta-feira nos serviu para lembrarmos que os Chiefs possuem sim um elenco de qualidade – e podem brigar por uma vaga nos Playoffs.

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