Recomeçar pode ser muito mais difícil que colocar a mão na massa pela primeira vez. Recomeços são marcados por medo, já que não há nenhuma garantia de que você voltará ao galho mais alto depois de ter batido com as costas no chão. A história de Alex Smith é feita de recomeços. Primeiro quarterback gerado para a NFL via Urban Meyer, Smith não teve a chance de brigar pelo título nacional universitário por conta das regras da época, quando ainda não tínhamos o playoff com quatro times[foot]Em 2004, a final do College era disputada entre o #1 e o #2 do Ranking do BCS[/foot]. Isso é apenas uma nota na história.
Os bastidores, porém, já mostravam que aquele que seria a primeira escolha geral do Draft de 2005 era um cara diferenciado. Smith se formou com média ponderada de praticamente 9,5 [foot]Tradução livre do GPA, que é a média ponderada nos EUA. Ela foi de 3,74 de 4,00 possíveis[/foot] e se formou em economia em apenas dois anos. Antes de ser draftado em abril de 2005, já estava trabalhando numa tese de mestrado. Você não vê estudantes-atletas assim no College Football. A ética profissional que marcou a carreira de Alex Smith já estava presente desde sempre.
Vamos pular alguns anos agora
Smith foi escolhido pelo San Francisco 49ers para ajudar o time a voltar ao topo. Os recomeços começam a virar rotina para o quarterback. Smith passou por uma sequência sem fim de coordenadores ofensivos nos primeiros anos na Costa Oeste – até a chegada de Jim Harbaugh como head coach, o rótulo de farsa como primeira escolha geral do Draft de 2005 começava a parecer permanente. Como uma fênix, Smith apareceria como sólido game manager em 2011, comandando o time até a final da Conferência Nacional. Erros no time de especialista custaram uma primeira ida ao Super Bowl. No ano seguinte, o primeiro momento de profissionalismo ímpar do camisa 11.
2012 marcou a ascensão de Colin Kaepernick e da pistolfest, com ataques predicados no quarterback como ameaça dupla. Após sofrer concussão, Smith foi para o banco e não voltou mais a campo como quarterback do time que lhe draftara sete anos antes. Lidou com isso tendo a classe que sempre tivera e que sempre demonstrara depois. Em vez de rachar o vestiário ou qualquer coisa do gênero, Smith abraçou seu papel como mentor de Colin. “Alex ajudou Colin todos os dias nas reuniões, ele vem treinando Kaepernick mais do que eu. Isso mostra quão bom ele é como companheiro de time”, disse Jim Harbaugh às vésperas do Super Bowl XLVII. Os 49ers saíram vencidos pelos Ravens e aquele agora era o time de Colin. Com isso, Alex Smith foi trocado para Kansas City, onde foi um quarterback na média da liga e que ajudou o processo de reestruturação dos Chiefs na administração Andy Reid.
Não é absurdo dizer que sem a estabilidade trazida pelo profissionalismo de Smith, os Chiefs poderiam não ter Andy Reid por tempo o suficiente para que este apostasse em Patrick Mahomes no Draft de 2017. Reid vinha de um conturbado final de relacionamento na Philadelphia e foi contratado imediatamente após sua demissão – de 2013 a 2017, Smith foi seu quarterback e ajudou o time a chegar em playoffs e manter-se competitivo.
O que aconteceu com Kaepernick voltaria a acontecer com Mahomes. Smith tornou-se dispensável e, novamente, mostrou profissionalismo. Alex foi novamente um mentor e ajudou a lapidar Patrick Mahomes, quarterback que chegara como um grande diamante cru na NFL. O potencial imenso estava lá, mas Mahomes precisava melhorar suas leituras antes e depois do snap. Hoje, Patrick é o mais talentoso quarterback da NFL e mais do que um passador ou apenas um braço: é um quarterback cerebral, também. Isso se deve muito à comissão técnica mas também pelo trabalho que Smith abraçou. “Meu filho nunca poderá pagar o que Smith fez por ele”, disse o pai de Mahomes, que carrega o mesmo nome e fora arremessador na MLB por anos.
Mais uma troca. Destino: Washington. A franquia ainda lambia as feridas do divórcio litigioso com Kirk Cousins, com quem não chegou a vinculo de longa duração. Alex chegou em 2018 e vinha fazendo um trabalho sólido como sempre. Nada extraordinário, mas Smith comandara o time a uma campanha de 6-3, na briga pelos playoffs. Então, veio o recomeço mais difícil da carreira do quarterback.
Quase morte, quase amputação, quase aposentadoria
18 de novembro de 2018, um dia que ficará marcado na história da National Football League. No mesmo dia, 33 anos antes, Joe Theismann, também quarterback da franquia da capital americana, quebrou a perna num sack de Lawrence Taylor. Naquele novembro de 2018, um também 3x Defensor do ano foi ao sack em Alex. A perna quebrou também. Theismann teve que encerrar a carreira por conta da lesão. Smith não se entregou e, com a medicina mais evoluída no século XXI, a luta começou.
Mas, antes, a luta pela vida. 17 cirurgias. 4 internações no hospital. Risco de morte por conta de infecção na perna. Risco de ter que amputar a perna. Transferência de músculo do quadríceps para a tíbia, num procedimento que mais lembrava algum feito após uma lesão sofrida por um militar numa batalha. Smith teve que usar um bracket na perna durante um ano para ajudar na recuperação – as incontáveis sessões de fisioterapia começaram e no início de 2020 ele afirmou sua intenção de voltar ao futebol americano.
Sobreviver, naquele momento, era o principal objetivo. Meses depois de luta, em mais um recomeço na carreira, Alex Smith decidira que voltaria ao campo. Poucos teriam essa coragem – até pelo trauma imposto naquele ambiente, o que em muitos poderia justificadamente gerar stress pós-traumático. Contra tudo e contra todos, o quarterback voltaria a fazer aquilo que se preparou a vida inteira para fazer. Com risco de se machucar de novo, com o medo de não jogar como antes.
Parecia que a volta seria apenas simbólica. Que Alex Smith estaria ali no elenco apenas por estar – o time acabara de draftar Dwayne Haskins na primeira rodada do Draft. Na Semana 5, porém, Smith foi chamado a campo depois que o substituto de Haskins, Kyle Allen, se machucara. Nas voltas que a vida dá, ninguém imaginaria que ele seria chamado ao serviço no mesmo campo em que se machucara dois anos antes. Na semana seguinte, como titular em meio à lesão de Allen, 325 jardas passadas. A presença de Smith em campo e no vestiário ajudou o Washington Football Team a arrancar rumo ao título da divisão. Com lesão na panturrilha ao final da temporada, ele não pode jogar mais uma partida de pós-temporada, em casa contra o Tampa Bay Buccaneers de Tom Brady, eventual campeão da Conferência Nacional e que eliminara Washington.
O Super Bowl, sonho de Smith e de todos os jogadores quando são drafrados, não foi possível. Hoje, o rumor é de que ele pode se aposentar – dada a lesão na panturrilha ao final da temporada e a idade mais avançada, uma vez que ele terá 37 anos ao início da próxima temporada. O anel não importa nesta altura do campeonato. Tantos e tantos jogadores vencem o Super Bowl e acabam sendo uma nota nos livros de recordes na história da liga.
Smith, por sua vez, passará longe de ser uma nota de rodapé. É o mais resiliente jogador de futebol americano que o século XXI viu. Tantos e tantos jogadores deixaram o campo de vez em meio a adversidades menores. Tantos e tantos desistiram ou caíram de rendimento após irem para o banco. Tantos e tantos deram xilique ao serem substituídos por um jovem mais talentoso. Tantos e tantos desistiram. Ele não. Alex Smith é a personificação do prêmio de Comeback Player of The Year, dado a um atleta que persevera após um ano anterior de lesão ou desempenho abaixo do esperado.
Esse prêmio é dado de maneira contínua desde 1998 e várias lendas já receberam a honraria, como Tom Brady e Peyton Manning – ambos vindos de lesões graves no ano anterior. Nenhum deles, porém, correu risco de vida ou risco de amputação. Nenhum deles foi substituído ou trocado duas vezes, tendo que buscar tantos recomeços na carreira. A ideia já apareceu antes e foi dada por muitos e vamos abraçar aqui. Depois de tudo o que vimos, Alex Smith é com honras máximas o Comeback Player of The Year. Mas, mais do que isso: de hoje em diante, ProFootball vai referir ao prêmio apenas com este nome. Alex Smith Comeback Player of The Year.
Mais NFL:
Herbert mostrou maturidade que calouros não costumam ter
5 Possíveis Destinos para Stafford
Curti: Saleh chega nos Jets para colocar ordem na bagunça
5 vencedores, Finais: Mahomes tem aura de invencível






