Dois pesos e duas medidas: a NFL tem um problema sério para punir seus jogadores

A National Football League, sem dúvida alguma, é uma das ligas esportivas mais bem estruturadas e organizadas do mundo, sendo um exemplo de gestão a ser seguido em muitos aspectos, contudo ela não é perfeita – na verdade, está bem longe disso.

Poderíamos citar diversas controvérsias enfrentadas pela NFL ao longo da sua história quase centenária, mas, para não perdermos o foco, vamos tratar diretamente sobre um dos maiores problemas da liga na atualidade: a forma como ela pune seus atletas.

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Não, por incrível que pareça não estamos falando (só) da insuportável epopeia de Ezekiel Elliott nos tribunais. O caso do running back também é um exemplo, porém o que nos motivou a escrever este texto foram os acontecimentos da semana 9. Para quem não viu, o domingo foi marcado por muitas brigas entre jogadores dentro de campo. A maior de todas foi a troca de socos entre A.J. Green e Jalen Ramsey[note]https://www.youtube.com/watch?v=fCZJOeMjGcQ Acesso em: 07/11/2017[/note], a qual resultou nas expulsão de ambos. Ademais, tivemos também Mike Evans atingindo Marshon Lattimore pelas costas e começando uma confusão generalizada no duelo entre Tampa Bay e New Orleans.

Após o domingo de fúria, a NFL se viu obrigada a agir para disciplinar seus atletas, distribuindo multas e suspensões aos envolvidos nas brigas. Foi aí que a liga mostrou outra vez como ela é falha na hora de aplicar punições. O que mais chama a atenção é a falta de critério, sobretudo em comparação com outras penas aplicadas na própria temporada 2017.

Contexto: como e por que um jogador é punido pela NFL?

Antes de seguirmos em frente, vale a pena um pequeno parênteses explicando como a liga impõe suas medidas disciplinares. Este é um ponto importante e talvez não tão claro para muitas pessoas.

Em suma, a NFL possui um código de conduta especificando o que cada jogador pode fazer dentro e fora do campo. Tal código é elaborado em acordo entre a liga e a NFLPA (NFL Players Association, ou seja, o sindicato dos jogadores)[note]https://operations.nfl.com/football-ops/nfl-rules-enforcement/ Acesso em: 07/11/2017[/note], sendo sempre apresentado aos atletas antes do início da temporada para que eles tomem conhecimento do que é proibido e permitido. Qualquer violação às regras resulta em sanções previstas inicialmente em uma tabela de multas[note]https://operations.nfl.com/football-ops/fines-appeals/ Acesso em: 07/11/2017[/note]. A gravidade da punição, entretanto, varia conforme critérios como o tipo da ofensa cometida, reincidência etc., podendo deixar de ser uma simples multa e se transformar em uma suspensão.

No caso de multas ou suspensões ocasionadas por violência desnecessária ou conduta antidesportiva dentro do campo (assunto que mais nos interessa aqui), o artigo 46 do acordo coletivo-trabalhista, o famoso CBA, nos diz que a punição será aplicada por alguém designado por Roger Goodell e aprovado pela NFLPA[note]https://nflpaweb.blob.core.windows.net/media/Default/PDFs/Active%20Players/2011%20CBA%20Updated%20with%20Side%20Letters%20thru%201-5-15.pdf Acesso em: 07/11/2017[/note]. Essa é a grande diferença para casos como o de Elliott e o de Tom Brady, quando o próprio Goodell foi o “juiz” responsável por definir o tipo e o tempo de punição.

Enfim, basicamente este é o contexto para as ações de Green, Ramsey, Evans e todos os outros brigões da liga.

Eis então que surgem os problemas

No papel, o sistema adotado pela NFL parece satisfatório, mas na prática podemos perceber que ele é cheio de falhas e, sobretudo, incongruências. As principais são a falta de clareza para explicar as punições e a aparente ausência de critério, ou seja, dois pesos e duas medidas para infrações similares.

Por exemplo, Evans pegou uma partida de gancho por agredir Marshon Lattimore. A justificativa dada por um porta-voz da liga foi que o wide receiver violou as regras de conduta antidesportiva e violência desnecessária[note]http://www.nfl.com/news/story/0ap3000000873120/article/nfl-suspends-mike-evans-one-game-for-sunday-actions Acesso em: 07/11/2017[/note]. Green e Ramsey, por outro lado, escaparam da suspensão e só vão levar uma multa, embora tenham feito basicamente a mesma coisa que Evans (sair na mão e começar uma briga generalizada no gramado)[note]https://www.youtube.com/watch?v=ZeoesE8fSRg Acesso em: 07/11/2017[/note]. E o que deixa essa história mais estranha é o fato dos dois últimos terem sido expulsos do jogo, ao contrário do recebedor dos Buccaneers.




Veja bem, não estamos aqui pedindo a cabeça ou a absolvição de ninguém. Só estamos apontando o que parece ser uma contradição clara da NFL, ainda mais porque ela não deu nenhuma explicação a respeito da diferença nas duas sentenças. Se ao menos tivéssemos alguma justificativa detalhada para a punição mais branda imposta à Green e Ramsey poderíamos tentar entender.

Ademais, voltando algumas semanas, lembraremos que Marshawn Lynch foi expulso de uma partida e suspenso de outra por ter invadido o campo para separar uma briga e ter empurrado um juiz. Obviamente o running back não deveria ter invadido o gramado e muito menos ter empurrado um árbitro, mas é justo que a sua punição seja maior ou igual a de jogadores que trocaram socos? A ação de Lynch foi pior do que as ações vistas no último final de semana? Antes de nos acusarem de perseguir Green e Ramsey, vale dizer que Carlos Hyde, Frostee Rucker e Haason Reddick também foram expulsos porque brigaram no domingo e também não foram suspensos.

Se quisermos ir além, podemos citar outros casos ocorridos em 2017 mesmo. Por exemplo, Danny Trevathan foi suspenso por dois jogos por um hit violento e desleal que causou uma concussão em Davante Adams. Ele apelou e pegou um jogo de gancho, mesma punição de Lynch. Vontaze Burfict não sofreu nenhuma sanção séria depois de tentar chutar um jogador dos Steelers na cabeça[note]https://www.youtube.com/watch?v=eDmxmQ5_Gbs Acesso em: 07/11/2017[/note], assim como Kiko Alonso após causar uma concussão em Joe Flacco – com ou sem maldade, não seria inimaginável e totalmente fora de cogitação que o linebacker recebesse alguma punição mais rígida.

Poderíamos ficar muito mais tempo falando de outros exemplos de atitudes disciplinares controversas da NFL e olha que só focamos em lances dentro de campo. Se resolvêssemos comentar também casos de agressão doméstica ou uso de substâncias proibidas, escreveríamos um texto de pelo menos umas 10.000 palavras.

Como dissemos antes, não se trata de pedir penas mais rígidas ou brandas, mas sim de pedir que a NFL seja mais transparente na hora de explicar suas decisões e siga sempre o mesmo critério, punindo com lógica e de acordo com a real gravidade dos atos para evitar situações absurdas.

Quem mais perde com isso tudo é a própria NFL

Imbróglios judiciais como o de Ezekiel Elliott ou punições arbitrárias são algo ruim para todo mundo envolvido com futebol americano – exceto, talvez, as páginas de memes. Contudo, quem mais sai prejudicada é a própria NFL, pois vê sua credibilidade ser arranhada a cada episódio desse tipo. Uma liga que preza tanto pela própria imagem não deveria continuar sendo motivo de piada por conta de um sistema disciplinar cheio de falhas.

Infelizmente a tendência é pouca coisa mudar em curto prazo. A questão das punições é diretamente ligada ao que está definido no acordo coletivo-trabalhista e o atual CBA tem vigência até 2020, então é improvável que vejamos grandes transformações por enquanto.

Pensando no futuro, porém, a NFL deveria considerar algumas alternativas, como talvez delegar a responsabilidade de punir para um tribunal independente ou algo assim. O que não dá é para continuar ignorando as críticas e fingindo que tudo funciona perfeitamente.

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