Spread Offense e a “correção de curso”: como isso se aplica aos jogadores da linha ofensiva

[dropcap size=big]J[/dropcap]ulian Vandervelde foi um iOL por cinco anos na NFL – e passou a maior parte deles atuando pelo Philadelphia Eagles. Para esta matéria, ele gentilmente contribuiu via Twitter por meio do @BatMandervelde. Hoje, Vandervelde é o presidente da Moxie Solar, uma empresa ligada ao ramo da energia solar.

O tempo de Julian e sua gentileza em compartilhar o conhecimento adquirido em meia década na liga profissional – e muito mais anos anteriores se dedicando ao esporte – para contribuir nessa história são muito apreciados.


“Acredito que seja mais uma curva de aprendizado”, declarou Julian quando eu perguntei o que ele esperava de adaptações da NFL quanto à popularização dos conceitos da spread offense e se isso poderia resultar em jogadores de linha mais preparados quando entrassem na liga. “Enquanto o jogo evolui, coisas velhas vão ficando novas outra vez, e o quão mais perto de um extremo você está, mais vulnerável você está para o outro”, disse.

Existe um consenso de que a NFL enfrenta uma crise quanto a seus jogadores de linha ofensiva. Com o avanço dos ataques (muito) mais rápidos no futebol americano universitário, os jogadores de linha ofensiva se utilizam de muito menos preparação, técnica e estudo e, consequentemente, isso reflete em jogadores que chegam menos preparados ao nível profissional.

Escolher left tackles, por exemplo, já não é algo tão simples quanto nos anos anteriores – a menos que eles venham de universidades “berço” de jogadores da posição, como Iowa, Wisconsin, Notre Dame e outras poucas que utilizam sistemas ofensivos parecidos aos da NFL.

Estes representam a posição mais importante dentre os jogadores da linha de frente, e só na última metade da década temos diversos exemplos de atletas desta escolhidos na primeira rodada e que o futuro na liga parece (muito) menos do que promissor: Luke Joeckel (2013, Jaguars, #2),  Greg Robinson (2014, Rams, #2), Ereck Flowers (2015, Giants, #9), Cedric Ogbuehi (2015, Bengals, #21), D.J. Humphries (2015, Cardinals, #24). Até mesmo o último jogador de linha ofensiva a ser escolhido como primeira escolha geral na liga, Eric Fisher (2013, Chiefs), demorou diversos anos até se encontrar de verdade como um bom jogador – e não é como se ele fosse um left tackle de elite.

[dropcap size=big]R[/dropcap]eforcei a pergunta sobre as adaptações da NFL ao longo da história e a relação com uma mudança nos jogadores de linha e Vandervelde me deu então uma resposta completa, utilizando conceitos táticos mesclados com a história do futebol americano:

“Com a evolução do passe pra frente e esquemas mais avançados nós chegamos ao Pro-Style, que evoluiu para a West Coast Offense. O principal esquema defensivo se tornou o 4-3 e os packages nickel (cinco defensive backs em campo) e dime (seis defensive backs em campo) surgiram […] da West Coast Offense se originou a Air Raid Offense, e então tivemos o esquema ofensivo de Chip Kelly em Oregon utilizando elementos da Triple Option de Georgia Tech. Em todo esse tempo, os jogadores de linha ofensiva foram ficando mais rápidos e mais atléticos e as defesas também evoluíram, com o 3-4 se tornando o principal esquema defensivo e os outside linebackers se tornando peças cada vez mais importantes. Depois disso vieram Alabama e o Dallas Cowboys, que voltaram a utilizar jogadores de linha maiores, mais fortes, mais pesados”, falou.

“A primeira ganhou tudo, o segundo ainda não por falta de um quarterback mais competente nos momentos decisivos. Mas essa tendência está voltando tanto no College quanto na NFL. Quase todos os sistemas ofensivos de sucesso de hoje se utilizam de RPOs; porém, uma RPO só tem sucesso se você consegue avançar a bola correndo dentre os tackles. As linhas ofensivas todas estão ficando mais fortes e pesadas novamente, e isso faz com que running backs como Todd Gurley e LeGarrette Blount que são mais do tipo downhill runner consigam ter bastante sucesso correndo contra linhas defensivas mais ágeis que são construídas para parar mais velocidade, como na Spread e na Air Raid.”, completou Vandervelde.

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Quando Vandervelde citou Chip Kelly – a quem inclusive ele foi subordinado nos últimos três anos na NFL – não pude deixar de pensar em duas universidades que enviaram diversos bons jogadores de linha ofensiva para a liga, conforme dito na introdução. Iowa e Notre Dame são duas universidades que possuem um ataque mais Pro-Style, mais centrado em fundamentos tradicionais do futebol americano. Nos últimos anos, os Hawkeyes enviaram ótimos jogadores como Bryan Bulaga (OT, Packers), Marshal Yanda (OG, Ravens), Brandon Scherff (OG, Washington) e James Daniels é mais um nome que adentrará a lista depois do Draft; já os Fighting Irish possuem em Zack Martin (OG, Cowboys) e Ronnie Stanley (OT, Ravens) dois nomes bastante sólidos, além de contarem com o melhor OT (Mike McGlinchey) e o melhor OG (Quenton Nelson) do Draft 2018.

Ao mesmo tempo, os exemplos negativos não são poucos. Em Oklahoma, uma dessas universidades que utilizam um ataque veloz e com muitas jogadas, Orlando Brown parecia um left tackle bastante consistente; no entanto, o Combine mostrou que a velocidade dos Sooners com a bola mascarava muito de suas deficiências atléticas e que um jogo mais lento (e com jogadores muito mais rápidos) NFL vai expor suas deficiências com facilidade.

A principal diferença dentre as jogadas é o alinhamento das famosas stances, e ninguém melhor para começar a explicá-las do que alguém que realmente passou por esse processo em sua carreira.

“As stances de um jogador de linha se resumem a conforto e efetividade. A two-point stance, por exemplo, é aquela na qual se bloqueia majoritariamente para o passe – eu já vi alguns jogadores que conseguem bloquear a corrida a partir dessa, mas é muito mais difícil porque você começa bem mais alto. Os três princípios da alavancagem são: alavancagem vertical (ter um pad mais baixo); alavancagem horizontal (ter controle por dentro); e alavancagem posicional (estar dentre o defensor e o jogador com a bola). Quando se está na three-point stance é mais fácil de aplicar uma alavancagem vertical porque você começa mais baixo e isso é mais importante num bloqueio para a corrida; dessa forma, costuma-se dizer que a three-point stance é uma stance de corrida, embora uma utilização correta desta permita bloquear para a corrida e para o passe”, contou o ex-linha.

“Na two-point stance você não tem vantagem nenhuma fora as jogadas de passe, então você só a verá costumeiramente em terceiras descidas longas ou dentro dos dois minutos finais onde a jogada é certamente um passe. Alguns técnicos preferem que seus jogadores estejam sempre na three-point stance para obterem mais consistência nesta; já outros preferem que seus tackles estejam na two-point para lidar com defensive ends que estejam mais abertos. No fim das contas, o mais importante é que cada jogador se sinta mais confortável da forma que for.”

O número (two/three, dois/três) dito nas stances diz respeito ao número de partes do corpo em contato com o solo. Na two-point stance, observada na imagem acima, apenas os dois pés estão em contato com o chão; consequentemente, os jogadores estão mais altos. Presume-se daí que a jogada a ser realizada é um passe.

Já na three-point stance, que é a observada na imagem acima, os jogadores estão mais abaixados pois uma das mãos toca o solo antes da jogada se iniciar. Assim, a maior possibilidade é de que uma jogada de corrida aconteça aqui.

Ainda que essa pergunta não tenha sido feita diretamente a Vandervelde, outro fator que muito se comenta quanto ao baixo piso de produção dos jogadores de linha que entram na liga é em relação a diminuição do tempo disponível para treinos depois da assinatura do mais recente CBA, feita em 2011. Aqui, a lógica é bem simples: quanto menos treino, menos desenvolvimento. Jogadores que são draftados cedo por conta de seu atleticismo tem pouco tempo para desenvolver sua técnica e, consequentemente, a curva de aprendizado dentro da NFL é bem maior.

O ex-center também comentou sobre o que ele espera dos próximos anos: “eu acho que é tudo sobre criatividade. Como você incorpora a RPO, por exemplo? Tentando pegar o adversário de surpresa, igual os Eagles com a Philly Special no Super Bowl LII. Mas, no fim das contas, o que vai importar como sempre é a técnica. Jogadores de linha mais físicos, corredores maiores e defensores copiando essas tendências. Os mais preparados sairão do college para a NFL em sistemas que pregam mais os fundamentos e as técnicas da posição; ou seja, não necessariamente de Spread Offenses mas sim de ataques baseados em muitas corridas e playactions“.

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Como ficou claro, a Crise de Linha Ofensiva da NFL tem a ver sim com falta de preparação; no entanto, é muito mais por questões de adaptação do que uma total deterioração das posições como um todo. Com o esporte evoluindo e voltando a utilizar jogadores mais físicos na linha de frente, tudo isso tende a desaparecer com o tempo.

Para finalizar este artigo, perguntei a Vandervelde se algum prospecto do Draft atual havia lhe chamado a atenção de uma forma que a grande mídia parecia estar dando menos importância. “Alex Cappa de Humboldt State é esse jogador pra mim. Vendo sua tape e sua performance no Senior Bowl, ele parece ainda cru, apesar de bastante físico e com a vontade de destruir seu adversário. Todo ano parece ter um jogador da FCS ou da D-II que domina no nível universitário mas recebe pouca atenção por conta do nível de sua universidade. Esses jogadores sempre estão mais motivados, possuem uma dedicação fenomenal e com o sistema e o treinador certo ficam com carreiras longas e duradouras”.

Eu não discordaria de alguém que conhece tanto.

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