Dropback: Colts se muda para Indianapolis na calada da madrugada e Cardinals vão para Phoenix

Equipes que trocam de cidade não são exatamente uma novidade na NFL, embora seja algo bastante diferente para quem está acostumado com o futebol. Na atual intertemporada, por exemplo, os Rams saíram de St. Louis e retornaram a Los Angeles (onde estiveram entre 1946 e 1995). Esta realidade é facilitada pela característica das ligas profissionais americanas, em existe o conceito de franquia como empreitada comercial – ou seja, em “posse” de um determinado território geográfico – e não uma associação civil como os clubes de futebol no Brasil.

Os estádios nem sempre são de propriedade dessas franquias – muitas vezes são propriedade pública, com contrato para que o time use esse campo. Findo o contrato, outra cidade pode ter uma proposta mais vantajosa para o proprietário da equipe. E isso aconteceu múltiplas vezes na história da liga.

Outro fator que influencia as decisões sobre mudança de localidade na NFL é o mercado a ser explorado. Nada mais claro sobre isso do que a “briga” entre Rams, Raiders e Chargers pela oportunidade de se estabelecer em Los Angeles, uma das maiores cidades dos EUA.

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Cabe ainda lembrar que a NFL, representada pelos proprietários das franquias, precisa aprovar qualquer mudança de cidade, com votos favoráveis de pelo menos dois terços dos donos das equipes (24/32).

Hoje falaremos mais profundamente sobre duas equipes que trocaram de cidade nos anos 80, os Colts e os Cardinals. Os Colts saíram de Baltimore e se instalaram em Indianapolis, enquanto os Cardinals deixaram St. Louis em direção a Phoenix, no Arizona. Estas dois episódios retratam bem a “disputa” das cidades por equipes da NFL, além de se relacionar com características da liga e da própria economia americana nos anos 80. Tanto no caso da franquia dos Colts quanto dos Cardinals, um importante precedente foi estabelecido anos antes com os Raiders não conseguindo quorum para se mudar em direção a Los Angeles – e posteriormente processando (e ganhando) a NFL para que a mudança acontecesse. Com efeito, havendo esse precedente processual positivo, “a porteira” seria aberta a partir dos anos 1980 para mais realocações. Isso será pauta de nossa coluna em breve.

Colts: a “fuga” de Baltimore na calada da noite

O Baltimore Colts foi criado em 1947, e permaneceu na cidade até 1984, quando se mudou para Indianapolis, onde se mantém até hoje. O nome da equipe se refere à tradição da cidade de Baltimore em corrida de cavalos, sendo a sede do Preakness Stakes, parte da tríplice coroa do turfe americano (Colt significa potro em inglês).

A equipe foi uma das primeiras a manter um grupo de cheerleaders, além de uma banda própria. Participou ainda de partidas que se colocam entre as mais memoráveis da história da liga, como a final da NFL em 1958, contra os Giants e o Super Bowl III, que teve o confronto dos quarterbacks Johnny Unitas e Joe Namath.

Apesar de todo o histórico da equipe em Baltimore, nos anos 80, a equipe jogava em um estádio antigo (Memorial Stadium), e que ainda era dividido com o Baltimore Orioles, da Major League Baseball. O proprietário dos Colts, Robert Irsay, participava de negociações com os administradores da cidade sobre a possibilidade da construção de um novo estádio. Ainda que várias propostas tenham sido feitas, o momento econômico da cidade se direcionava para a redução de gastos públicos (seguindo a linha do governo do presidente Ronald Reagan, a chamada reaganomics). Desta forma, as negociações chegavam a um impasse.

Ao mesmo tempo, os Colts recebiam sondagens de várias localidades que desejavam uma franquia da NFL.  Chegaram propostas vindas de Jacksonville, Memphis e, principalmente, Phoenix e Indianapolis. O governo de Indiana havia decidido investir pesado em estrutura esportiva, construindo o Hoosier Dome (que viria a ser a casa dos Colts em Indianapolis, o qual você deve conhecer por seu “último nome”, RCA Dome) antes mesmo de existir um time para ocupá-lo. A proposta de Phoenix era também financeiramente interessante, mas sem um estádio novo como em Indianapolis.

Mas a cidade de Baltimore decidiu não abandonar sua equipe sem luta. Mesmo após a aprovação pela NFL da mudança de cidade dos Colts, Baltimore ainda tentava convencer Irsay a manter a equipe em seu local de origem. Propostas de novos estádios surgiam, mas eram barradas por autoridades da própria cidade. No fim das contas, o senado estadual de Maryland – vale lembrar que o legislativo nos Estados Unidos é bicameral também na esfera estadual – decidiu aprovar uma lei que impedia que os Colts deixassem a cidade. E isso suscitou o aspecto mais inusitado desta história. A pressão da cidade de Baltimore fez com que Robert Irsay tomasse sua decisão. Com a ajuda de empresas de transporte e da polícia de Indiana – a Mayflower –  toda a estrutura do Baltimore Colts foi transportada para Indianapolis, na madrugada do dia 29 de abril de 1984.

Os Colts seguem hoje em Indianapolis, e Baltimore voltaria a ter uma equipe na NFL a partir de 1996, curiosamente também “roubando” uma franquia de outra cidade, no caso Cleveland, já que os Browns se tornaram os Ravens. Posteriormente, os Browns foram recriados em Cleveland, em 1999.

“Side-show” Cardinals: em busca de um lugar só seu

O caso dos Cardinals, embora compartilhe de algumas das características da mudança de cidade dos Colts, traz também um outro aspecto bem distinto. Em geral, quando falamos sobre a equipe dos Cardinals, em qualquer de suas localidades, não a colocamos entre as grandes franquias históricas da NFL. Apesar disso, os Cardinals são uma das franquias originais da NFL. Mais do que isso: tendo sido criados em 1898, são a mais antiga equipe profissional de futebol americano ainda em atividade. Junto dos Bears, são os dois únicos times originais da temporada 1920 ainda em atividade.

Os Cardinals nasceram em Chicago, onde permaneceram até 1960. Durante este período, a franquia conquistou seus dois títulos na NFL (1925 e 1947). Entretanto, os Cardinals sempre estiveram à sombra dos Bears em Chicago. O sucesso da equipe de George Halas relegou os Cardinals ao papel da “outra” equipe da cidade, papel que a franquia continuaria ocupando em sua localidade seguinte.

Em 1960, os Cardinals se mudaram para St. Louis, onde seriam a única equipe de futebol americano da cidade. Ainda assim, já existiam Cardinals na cidade antes de 1960. O St. Louis Cardinals, da Major League Baseball, era (e ainda é) a equipe esportiva mais popular da cidade. Assim, os  “Football Cardinals” mantinham seu papel de coadjuvante, sendo o “espetáculo secundário” como descrito no título desta seção. Contribuindo para isso estavam também os resultados medíocres da equipe, que em 28 anos chegou aos playoffs apenas três vezes.

Nos anos 80, as condições econômicas, assim como com os Colts, contribuíram para a mudança de cidade dos Cardinals. Jogando em um estádio antigo (e frequentemente vazio) em St. Louis, os Cardinals queriam outra oportunidade para aumentar seus ganhos e para, quem sabe, finalmente serem protagonistas do esporte em sua cidade. A franquia recebeu propostas de Memphis, Jacksonville e até mesmo Baltimore, optando por aceitar a oferta de Arizona. É possível perceber que estas localidades tentaram manter e/ou receber tanto os Colts quanto os Cardinals, mostrando o grau do interesse em ter uma equipe da NFL. Tanto que Jacksonville, Baltimore e Tennessee (embora em Nashville, não Memphis) receberam franquias em anos subsequentes.

Cabe ressaltar ainda que, mesmo após a mudança para o Arizona em 1988 (assumindo primeiramente o nome de Phoenix Cardinals, depois trocado para Arizona Cardinals), a franquia manteve suas dificuldades com relação ao estabelecimento da popularidade. A equipe jogava no estádio da universidade Arizona State, em Tempe, frequentemente sob temperaturas beirando os quarenta graus, o que dificultava a lotação máxima. Só a partir de 2006, com a inauguração do University of Phoenix Stadium, com sua cobertura retrátil, os Cardinals passaram a ter o apoio maciço do torcedor, não sendo mais “side-show” de ninguém. Concomitante a isso, alcançaram os melhores resultados desde o título em 1947, chegando inclusive ao Super Bowl XLIII, após a temporada 2008.

De quem é a equipe?

Dentro da nossa cultura, essa prática das equipes profissionais americanas mudarem de cidade é difícil de compreender. São raros os casos, como o Grêmio Prudente/Barueri no Estado de São Paulo. É quase impossível imaginar que equipes centenárias possam simplesmente fazer as malas e trocar de sede. Isto ainda levanta uma questão importante: de quem é a equipe? Ela é só do seu proprietário? Ou a cidade que a acolheu e, principalmente, o torcedor que se apaixonou e dedicou anos de sua vida à esse amor, deveriam ser tratados com mais consideração?

A realidade é que, na NFL (como na sociedade em geral), os lucros acabam ditando as regras, e quem dá mais acaba levando a equipe, deixando alguns corações partidos pelo caminho.

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