Editorial: Sobre o jornalismo esportivo e o time que cada um torce – sim, eu torço para os Bears

Nos últimos dias, a “pauta” nas redes sociais foi acerca do time do coração de jornalistas esportivos, especialmente no futebol. O tema foi discutido por alguns colegas de outro lugar onde trabalho, a ESPN, no Linha de Passe ontem.

Aproveitando o ensejo – até pelo fato do futebol ser o esporte mais popular do país, gostaria de escrever aqui e também pegar esse bonde para pontuar algumas coisas relativas ao futebol americano e a maneira que ele é coberto pela imprensa aqui no Brasil. A princípio: todos torcem para alguém. Se necessariamente não tiverem um time, se identificam com um dado atleta – Peyton Manning – e às vezes acabam torcendo por ele. Achar que um jornalista esportivo não tem uma dada torcida, em casa, no sofá, por algum time… É, como Juca Kfouri disse ontem no Linha, acreditar em Papai Noel.

E isso influencia? Honestamente, para mim, não. Torcer por um dado time é tão intrínseco ao fato de gostar de esporte. Da mesma forma que um jornalista político geralmente tem uma preferência partidária – embora em 99% das vezes, não o revele. É natural que tenhamos esse tipo de preferência, que tenhamos opinião. Mas aí que tá: influencia?

Há casos que, sim, a preferência por um time ou outro acaba influenciando a dados profissionais. Não posso responder por eles. Apenas por mim mesmo. No meu caso, não. No caso dos redatores deste site, não. Embora seja editor-chefe deste site, a pauta não é guiada “pró-meu time” ou “contra meu time”, diretamente. Tampouco “forço” a barra de modo a falar mais e/ou aleatoriamente do time para qual torço.

Torço para o Chicago Bears, como muitos de vocês devem saber. Tenho caneca com o logo do time, a auto-biografia de George Halas é um dos meus livros favoritos, devo ter cerca de 10 camisetas pelo menos do time, tenho gorro e penso até em fazer alguma tatuagem relativa a ele. Essa é a paixão e a vida privada do Antony. Quando você me lê aqui ou quando me ouve na ESPN, você está lidando com o Curti, não com o Antony. E é meu dever tratar todos os times de modo igual – acredito que o faça, aliás. Quer dizer: não de modo igual, porque há times melhores e piores. Mas eu não vou fazer com que os Bears sejam considerados em minha análise de modo pior ou melhor só porque torço para o time. Tampouco para os rivais.

Especificamente neste ano, vou exemplificar. Em nosso Power Ranking da Conferência Nacional, já há algum tempo o Minnesota Vikings (mesmo bem antes de ser o único invicto restante) figura como primeiro colocado. Antes da temporada, fiz um extenso texto colocando o Green Bay Packers como potencial melhor ataque da NFL em 2016 – muito por conta do calendário mais fácil da liga e a volta de jogadores lesionados. Torcer para um time rival não me impede de analisar todos de maneira imparcial no que tange à paixão. Claro: há parcialidade por conta de alguns dogmas que sigo para o esporte como um todo – tal qual quarterback ter que passar mais do que correr – dado que essa é minha visão do esporte. Mas não há parcialidade ou “clubismo” por conta de torcer para um time ou outro.

Quando estou no meu quarto, assistindo às reprises dos jogos de Chicago (por meio do GamePass, já que geralmente estou transmitindo jogo pela ESPN quando os Bears jogam ao vivo) eu sou torcedor sim. Fico bravo, dou soco no travesseiro, já até quebrei uma cadeira uma vez. Quando eu estou no ar pela TV ou pelas letras deste site, considero pessoalmente um desrespeito gigantesco que eu me mostre mais torcedor dos Bears do que analista de futebol americano. Primeiro com o cara que torce para Chicago também – porque por vezes eu posso acabar exagerando, positivamente ou negativamente, na análise. Segundo com o cara que torce para o outro time que está jogando ou jogou contra os Bears – porque indiretamente minha análise viciada acaba fazendo com que a do outro time também fique manca.

Por que dizer o time que torce, então? Bom, acho que é a atitude correta. Torcer para um time faz com que a gente acabe ficando mais apaixonado pelo esporte.

Para saber o que “é” o futebol americano (ou qualquer outro esporte), é bom que você se envolva por ele emocionalmente, que, de certa maneira, seja recompensado com vitórias e títulos. E como podemos nos envolver? Como podemos experimentar, participar? Simples: havendo uma ligação emocional entre você e o esporte. É uma questão sociológica básica: só se importa com os rumos da comunidade aquele que está inserido nela e roga por um dado destino a instituições ou elementos inseridos nessa tal comunidade. Por analogia, na grande maioria dos casos (há casos de quem não torce para um time em específico, claro, mas torcer ajuda) você só se importa bastante com o futebol americano quando tivesse um time para torcer. Porque aí vê pelo menos os jogos do seu time que passam na TV. Vê os jogos dos rivais. Procura entender o que não está dando certo no próprio time e aí se aprofunda em aspectos táticos do esporte.

Dizer que torço para um dado time é, acima de tudo, um meio de transparência. De certa maneira, você vira meu fiscal. Se eu estiver exagerando, você vai reclamar. E se reclamar, é com razão. No mesmo Power Ranking da Conferência Nacional, a cada semana temos uma dúvida (eu e o Jean, que também monta a lista e ela depois é “somada): qual o pior time da NFC no momento? 49ers ou Bears? Fosse o lado torcedor, do Antony que fica bravo assistindo aos jogos, eu colocaria os Bears, só de corneta. Não é o caso. San Francisco tem mais problemas, perdeu o principal jogador defensivo (NaVorro Bowman) e está longe de ter um quarterback. Por mais que Cutler tenha problemas e Brian Hoyer não seja nenhum futuro Hall of Famer, não seria correto colocar os 49ers acima, ao meu ver. Não porque torço pelos Bears: mas porque, “jornalisticamente falando” e sem viés passional, é minha visão sobre o assunto (e porque a situação de quarterbacks em San Francisco é ainda mais bagunçada e o “rebuild” é ainda maior na Costa Oeste).

Até hoje, comentei apenas um jogo dos Bears na ESPN – Thanksgiving de 2014, contra o rival Detroit Lions. Ninguém reclamou e a transmissão não ficou cagada – perdoem o palavrão – por conta de análise passional. Eu poderia ficar cornetando os Bears o jogo inteiro – a equipe chegou a perder com interceptação de Jay Cutler ao final do jogo – mas isso estaria longe de ser justo, especificamente com o torcedor do Detroit Lions assistindo o jogo em casa (e que queria que eu falasse bem do time, o qual merecia e de fato fiz). Tampouco fiz má vontade em qualquer jogo dos Packers. Eu era meio travado em 2014 quanto a “subir” o tom de voz e dar um pouco mais de emoção na transmissão – e, por coincidência, amanhã faz dois anos da transmissão que julgo ser um divisor de águas para mim nesse quesito. A primeira vez que eu subi o tom para enfatizar uma bela jogada foi… Com o Green Bay Packers e o fake spike de Aaron Rodgers para vencer os Dolphins na Semana 6 de 2014.

Meu compromisso com você é a transparência, e o deste site também. Então por isso digo (não abertamente como excepcionalmente neste texto, mas quando perguntam) que torço pelo Chicago Bears. Mas em privado. Quando estou trabalhando, torço pelo meu trabalho, pela minha credibilidade. Porque no final das contas não é o Chicago Bears que paga minhas contas, são meus textos ou minha voz no ar. E você merece que haja um profissional – no sentido exato da palavra, daquele que faz algo de maneira mais imparcial e não passional o possível – cobrindo o seu time. Seja os Bears ou não.

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