Para muitos fãs de futebol americano no Brasil, o esporte só apareceu nas suas vidas nos últimos dez anos. Inclusive na minha própria experiência, era uma prática esportiva muito distante antes de 2006, e pouco se sabia sobre aquele jogo no qual “a bola era oval”. Portanto, com o crescimento da cobertura aqui no Brasil, o torcedor e fã da NFL começou a conhecer o esporte a partir de um ponto isolado na linha do tempo do esporte. Descobrir o esporte sem conhecer a história acaba criando algumas noções curiosas se a colocamos em contraste com o legado de algumas franquias – por exemplo, é difícil para quem começou a assistir o futebol americano depois de 2000 imaginar uma NFL na qual o New England Patriots não seja o franco favorito para conquistar – e na maioria dos casos conquistar de fato – a AFC East.
Outro contraste interessante seria encontrado no Oakland Raiders. Para quem passou a acompanhar a NFL em 2006, a franquia da Califórnia jamais foi uma ameaça. Fiascos como o de JaMarcus Russell e um carrossel de técnicos colocava a equipe sempre nos últimos lugares da lista de favoritos. Para os fãs mais novos, os Raiders nunca foram grande coisa. Mas se você for perguntar para qualquer veterano do esporte nos Estados Unidos, o Oakland Raiders da década de 70 era uma força a ser batida, e um dos conjuntos mais fortes da história do esporte.
O surgimento do Oakland Raiders e a era AFL
O Oakland Raiders surgiu em 1960, como um franquia da American Football League (AFL). Entre perfomances pífias nas primeiras três temporadas – uma soma de 9 vitórias e 33 derrotas – a franquia contratou Allen “Al” Davis para os cargos de head coach e general manager em 1963. Aos 33 anos de idade, Davis era o mais jovem no futebol americano profissional a ocupar os dois cargos. O histórico do jovem técnico com o lendário treinador Sid Gillman – conhecido por procurar sempre explorar os espaços verticais do campo utilizando passes, além de utilizar rotas curtas para o running back – fez com que Davis implementasse uma filosofia ofensiva similar. É sempre importante lembrar que, à época, o esporte e a forma de encarar o jogo ofensivo era diferente, com uma ênfase muito menor nos passes, colocando o jogo corrido como prioridade. A visão de Gillman muito se assemelha àquela vigente no futebol americano atual, sendo a ele atribuído muito dos créditos pela modernização do esporte.
Sob a batuta de Al Davis, o Oakland Raiders teve sua primeira temporada positiva, logo no ano de estreia, com 10 vitórias e 4 derrotas. Neste mesmo ano, a equipe vestiu pela primeira vez o seu hoje tradicional prata e preto. A história do Oakland Raiders e Al Davis se confunde, e se a franquia alcançou sucesso, muito dele se deve ao técnico e executivo, falecido em 2011.
Em 1966, Al Davis deixou o Oakland Raiders para se tornar o comissário da AFL , mas não sem deixar seu sucessor engatilhado: John Rauch, seu assistant coach, assumiu o cargo de head coach. Foi neste mesmo ano que a fusão da AFL com a NFL foi anunciada, processo que Davis teve importante participação. Assim, não seria mais necessário um comissário para a American Football League, e o ex-treinador retornou em julho do mesmo ano à franquia, sob a condição de co-proprietário da equipe, além de responsável pelas operações de futebol americano. Entre 1966 e 1969, o time montado por Al Davis mostrou notável evolução, e comandado pelo quarterback Daryle Lamonica, conquistou o título da AFL em 1967. A vitória credenciou a equipe ao Super Bowl II, no qual foram derrotados pelo Green Bay Packers de Vince Lombardi.
Nos dois anos seguintes, a equipe chegou à final da AFL, mas foram derrotados pelo New York Jets em 1968 e Kansas City Chiefs em 1969. John Rauch deixou o time após a temporada, alegando divergências entre as opções do treinador e da gestão da equipe. A saída do treinador deu espaço para o treinador de linebackers assumir o posto de head coach, e foi assim que John Madden se tornou o sexto técnico da história do Oakland Raiders.
A era John Madden e a Soul Patrol
John Madden, durante seus anos como head coach do Oakland Raiders, ajudou a estabelecer uma das defesas mais temidas da história da NFL – fosse pela agressividade dentro de campo, fosse pela atitude.
A secundária composta pelos safeties Jack Tatum, George Atkinson e os cornerbacks Willie Brown e Skip Thomas, apelidada Soul Patrol, era conhecida pela força dos seus tackles e atitude de bad boy dentro de campo. Eles representavam o espírito do Oakland Raiders, jogadores extremamente duros – muitos dizem que no limiar da deslealdade – confiantes e intimidantes. George Atkinson, por exemplo, quebrou o nariz do tight end Russ Francis do New England Patriots com seu antebraço. Os tackles do jogador no wide receiver Lynn Swann, do Pittsburgh Steelers, são lendários, pela força e agressividade. Ainda assim, o safety era de uma velocidade estonteante, além de um retornador de punts excepcional.
Jack Tatum – apelidado carinhosamente de assassin – era a dupla de Atkinson na função de safeties. Um dos jogadores mais intimidantes da liga, o ex-running back do Houston Oilers Earl Campbell disse que ninguém nunca o acertara com tanta força quanto Tatum. Fran Tarkenton, ex-quarterback do Minnesota Vikings, disse que quando o safety acertou o wide receiver Sammy White durante o Super Bowl XI, achou que ele tinha arrancado fora a cabeça do seu companheiro de equipe.
Infelizmente, Jack Tatum está associado a um evento trágico. Numa partida contra o New England Patriots em 1978, numa jogada que Tatum disse ter realizado milhares de vezes em treinos e partiads, o jogador colidiu com o wide receiver Darryl Stingley quando o jogador mergulhava para agarrar o passe numa rota slant. O recebedor, ao abaixar o capacete para proteger o corpo, entrou em contato com os pads de ombro de Tatum. O impacto danificou a espinha do wide receiver que ficou tetraplégico. De acordo com relatos de amigos, desde aquele dia Tatum se tornou uma pessoa reclusa, e nunca de fato superou aquele lance até o dia de sua morte, em julho de 2010.
Ainda sobre a lendária secundária do Oakland Raiders, os safeties levavam para o lado pessoal quando um wide receiver fazia um bloqueio baixo – chop blocks, abaixo da linha da cintura, geralmente nos joelhos. Se você observar as fitas de jogo do Oakland Raiders da época, você pode ver os defensive backs perseguindo os wide receivers adversários após um bloqueio baixo, tentando acertá-los. Como uma vez disse Paul Warfield, wide receiver e membro do Hall da Fama do esporte, se você fosse para o meio do campo e não considerasse a ameaça de Atkinson e Tatum, você não ficaria em campo muito tempo sem sair de maca. Se os running backs corressem pelas laterais da linha ofensiva, a secundária faria esse corredor pagar – e eles gostavam de fazer os jogadores pagarem.
Interessante pontuar, antes de falarmos da rivalidade com o Pittsburgh Steelers, a diferença no regulamento antes de 1978. Até a temporada de 1977, não existia a falta conhecida como pass interference defensivo. Era permitido qualquer tipo de contato em qualquer ponto do campo, o que é inimaginável na NFL contemporânea. Tal medida – acompanhada de outras – foram tomadas de forma a tornar o ataque mais fluido, isto é, restringir as ações possíveis da defesa de forma a privilegiar o ataque e o jogo aéreo. A vida de wide receiver durante os anos de Soul Patrol era dura, o que faz do trabalho dos recebedores mais admirável ainda.
A dominância na AFC West e a rivalidade com o Pittsburgh Steelers
O time comandado por John Madden vencia sua divisão, a AFC West praticamente todos os anos. Entre 1973 e 1977 o Oakland Raiders chegou à final de conferência todas as cinco oportunidades, enfrentando o Pittsburgh Steelers três vezes. Durante toda a década de 70, o contraponto na AFC à força dos Raiders era o time da Pennsylvania. Os méritos daquela equipe liderada pelo quarterback Terry Bradshaw, treinada por Chuck Noll, que em um único draft selecionou quatro jogadores eleitos ao Hall da Fama da NFL e venceu quatro Super Bowls, são objeto de um texto à parte, mas é importante frisar que se há um exemplo que faz jus ao termo dinastia, é aquela equipe.
A rivalidade começou, entretanto, antes destas finais, e numa das jogadas mais icônicas da história da liga: a immaculate reception. Depois de vencer a AFC West, em 1972, com um restrospecto de 10 vitórias, 3 derrotas e um empate, o Oakland Raiders enfrentaria o Pittsburgh Steelers no Divisional Round. Por 13 a 7, os Steelers avançaram nos playoffs, após a lendária recepção de Franco Harris: no quarto período, Terry Bradshaw, pressionando e saindo do pocket lançou a bola para o running back John Fuqua. A bola bateu no conglomerado formado pelo safety dos Raiders Jack Tatum e Fuqua, e saiu voando. Ela encontrou ninguém menos que o full back Franco Harris, que agarrou a bola e correu para o touchdown que selaria o jogo.
O ano de 1972 foi também aquele no qual Al Davis se tornou o managing partner com controle praticamente absoluto sobre as práticas da franquia. Enquanto um dos três general partners da equipe, F. Wayne Valley, viajava para as Olimpíadas de 1972 em Munique, Davis escreveu um acordo no qual ele assumiria as funções de comando quase absoluto da equipe. Depois de assina-lo e fazer com que o outro sócio, Ed McGah, concordasse com os termos, Davis se tornou o rosto executivo da franquia, função da qual nunca saiu inteiramente. Valley ficou revoltado com a atitude de Davis, mas quando levou a questão ao judiciário, perdeu a causa: afinal, estava dois a um para o lado de Al.
Na temporada seguinte, em 1973 o Oakland Raiders colocou um novo signal caller como titular. Ken Stabler substituiu Daryle Lamonica no início da temporada, e se tornou o nome mais associado às temporadas dominantes da franquia durante a década de 197o. Protegido por hall of famers na linha ofensiva, Art Shell e Gene Upshaw, foi nesta temporada que começou a sequência da equipe de cinco participações consecutivas na AFC Championship Game. Depois de vencer o Miami Dolphins – então campeões do Super Bowl – no Divisional Round por 19 a 18 numa partida emocionante na qual os wide receivers Fred Biletnikoff e Cliff Branch combinaram para mais de 200 jardas e dois touchdowns, a franquia foi derrotada pela força do Pittsburgh Steelers na final de conferência, sendo eliminado mais uma vez dos playoffs por Terry Bradshaw e seus companheiros.
Em 1975, depois de navegar na temporada com 11 vitórias e 3 derrotas, o Oakland Raiders mais uma vez encontrou o Pittsburgh Steelers na decisão da AFC. Disputado na casa dos Steelers, o Three Rivers Stadium, a rivalidade tomou conta de Al Davis e e John Madden. Os comandantes do Oakland Raiders acusaram os responsáveis pela manutenção do campo em deixarem a grama congelar de forma a parar o ataque da equipe da Califórnia, pautado no jogo aéreo e em distribuir a bola pelo campo. Aquela decisão acabou sendo uma batalha defensiva, com 12 turnovers combinados, 7 para os Steelers e 5 para Oakland. No final dos quatro períodos, o Pittsburgh Steelers eliminou os Raiders pelo terceiro ano consecutivo, e foram conquistar o seu segundo Super Bowl, contra o Dallas Cowboys no Super Bowl X.
Neste ponto da década do Oakland Raiders, a equipe conquistara o estigma de uma equipe forte mas incapaz de ganhar a partida que importa. Na temporada de 1976, a equipe mais uma vez passou de forma fácil pela temporada regular, com 13 vitórias e uma derrota. Mais uma vez, pelo terceiro ano consecutivo, o rival na final de conferência era o Pittsburgh Steelers. Dessa vez, o jogo era no estádio dos Raiders, e os donos da casa saíram com a vitória – com uma atuação brilhante do seu punter, Ray Guy. Numa partida de poucos touchdowns mas muitas jardas, o controle do jogo de Guy permitiu diversas vantagens de posição no campo para os Raiders. Assim, batendo os bicampeões do Super Bowl que os eliminaram nas últimas três oportunidades nos playoffs, os Raiders estavam credenciados para o Super Bowl XI, o segundo de sua história.
Importante apontar que Ray Guy foi uma peça fundamental para o Oakland Raiders durante a década de 70. Considerado por muitos o maior punter de todos os tempos, Guy foi o primeiro jogador da posição a ser selecionado na primeira rodada do Draft, em 1973. Sua capacidade de manter a bola no ar dava à equipe da Califórnia uma vantagem gigantesca quando devolvia as posses de bola, e colocava os adversários sempre num buraco para escapar.
Contra o Minnesota Vikings de Fran Tarkenton, o Oakland Raiders disputou seu único Super Bowl sob o comando de John Madden. Com a força do running back Clarence Davis e a dureza de sua defesa, o preto e prata atropelou os Vikings por 32 a 14, sem permitir que a equipe da NFC anotasse um ponto sequer no primeiro tempo, além de forçar turnovers no segundo tempo depois de colocar um imponente 16 a 0 no placar. Este título foi o ápice dessa geração do Oakland Raiders, de um time duro, agressivo e confiante.

A saída de John Madden, o começo da era Flores
A temporada de 1977 foi a última na sequência de cinco participações no AFC Championship Game consecutivos. Depois de mais uma temporada de 11 vitórias e 3 derrotas, o Oakland Raiders foi derrotado pelo Denver Broncos no Mile High Stadium. Foi a primeira aparição dos Broncos em uma decisão de conferência, que levou a equipe ao seu primeiro Super Bowl, no qual foram derrotados pelos Dallas Cowboys.
No ano seguinte, após lutar contra uma úlcera durante toda a temporada de 1978, John Madden deixou o comando do Oakland Raiders depois de sequer se classificar para os playoffs. A saída do técnico representou uma mudança histórica da franquia: o fim da era Madden e o começo da era Flores. Tom Flores foi o primeiro head coach de ascendência hispânica da história da NFL, e comandaria a equipe por oito temporadas, além de conquistar dois Super Bowls.
Nesta mesma intertemporada, o quarterback símbolo desta geração do Oakland Raiders foi trocado para o Houston Oilers, uma medida bastante impopular à época. Dan Pastorini assumiu a posição até a quinta semana da temporada de 1980, quando quebrou a perna, dando espaço para Jim Plunkett, que se tornou o signal caller da franquia durante a década de 80.
Com Plunkett e Flores, os Raiders – que se mudaram para Los Angeles em 1982 – foram campeões do Super Bowl XV e XVIII. Uma nova gerações de ídolos da franquia surgiu na década seguinte, como Marcus Allen e Howie Long. Hoje, para a temporada de 2016, o Oakland Raiders busca resgatar a reputação que gozava nas décadas de 70 e 80, superando os erros na direção na equipe desde a aparição no Super Bowl XXXVII, na culminância da temporada de 2003. Construindo uma das defesas mais sólidas da liga, capitaneada por Khalil Mack e com um ataque jovem que conta com Derek Carr, Amari Cooper e Latavius Murray, a franquia pode reencontrar o sucesso em 2016, e trilhar uma via de sucessos pela primeira vez sem Al Davis.
