Quando um final de semana traz narrativas tão ricas como os seis touchdowns de Tua Tagovailoa, ou a virada memorável de Joe Flacco comandando o New York Jets, algumas manchetes passam batidas. Após uma acachapante derrota para o Green Bay Packers, Justin Fields, quarterback do Chicago Bears, deu uma declaração que, indubitavelmente, irritou boa parte da torcida do time de Illinois. Aos 23 anos, o produto de Ohio State declarou que “a derrota dói mais dentro do vestiário do que para os torcedores… eles não dedicam nenhum tempo ao trabalho”.
Quero destacar que a frase original é aren’t putting in any work. Digo até que minha tradução livre acima é até gentil. É uma forma bastante blasé de dizer que os torcedores não fazem parte do elenco de 53 homens do Chicago Bears – o que é, literalmente, verdade. Agora, é também uma maneira extremamente indelicada de desprezar toda uma fiel legião de torcedores. Especialmente após perder para o eterno rival, a postura de Justin Fields coloca lenha na fogueira de uma relação que ainda está na tenra idade. Mais do que isso, revisita a relação entre o fã e seu time do coração.
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Quando eu morrer, não haverá velório no Salão Nobre da sede das Laranjeiras. Como torcedor do Fluminense, minhas escolhas pessoais e profissionais não influenciam o desfecho de uma final de campeonato. De forma similar, uma derrota para o rival não tem o condão de afetar meu dia-a-dia, salvo se minha infelicidade e irritação tomarem conta do meu comportamento. Felizmente, não as deixo. Não quer dizer que não exista uma dedicação, uma relação de paixão e um investimento no que acontece com a equipe.
Os torcedores do Chicago Bears estão há anos anestesiados pelos erros sucessivos da franquia. Seja pela era capitaneada por Mitchell Trubisky, pela inépcia ofensiva de Matt Nagy ou pelos sofríveis derradeiros anos de Jay Cutler, os fãs dos campeões do Super Bowl XX apenas sonham com uma nova e promissora era. Justin Fields, em tese, representa essa nova era.
Os fãs esperaram de janeiro a setembro para ver seu novo e recauchutado ataque, compraram toneladas de camisas com o número 1 bordado, investiram milhares de dólares em season tickets. Quando há partidas no Soldier Field, certamente saem de cidades próximas a Chicago às seis e meia da manhã para chegar ao estacionamento às nove e começar a grelhar hambúrgueres e confraternizar com outros apaixonados pelos Bears.
Encontram torcedores mais velhos que viram Dick Butkus; falam (incansavelmente) sobre o time de 1985 entre si, ou apenas apontam para os mais jovens como eles deram azar de terem visto apenas Rex Grossman no Super Bowl – se tanto, já que lá se vão quinze anos. Quando o relógio chega ao meio-dia, empacotam suas grelhas e barracas e vão para as arquibancadas, com o único intuito de apoiar uma franquia. Unidos por uma causa comum, por um sentimento visceral.
E, após completar 7 passes para 70 jardas contra o maior rival, Fields diz que os fãs não colocam nenhum trabalho. É um balde de água fria na cabeça quente do torcedor. Ao invés de aproximar os apoiadores do time, o jovem de 23 anos faz justamente o oposto. É um tiro no pé; um catalisador de desgaste caso o Chicago Bears não encontre logo seu ritmo.
Mais do que isso, a declaração de Fields coloca a execução técnica como o único propósito esportivo. Ser uma máquina bem azeitada é o objetivo do futebol americano, e apenas os responsáveis por fazê-la podem se sentir tristes ou chateados com um resultado adverso. É uma visão pouco romântica, e, sinceramente, limitada do que o esporte significa para cada torcedor. Menospreza, de certa forma, o investimento emocional que não dura o tempo do contrato de um jogador, mas uma vida inteira.
Claro que se Fields se tornar um brilhante quarterback, quaisquer rusgas serão esquecidas; sabemos bem que esse é o desejo no âmago de qualquer um que veste azul e laranja. Pouco importará o que foi dito no passado; as vitórias dentro de campo falarão por si. Ainda assim, impressiona uma declaração desse calibre tão cedo na relação do jogador com o time e com a torcida.
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Talvez eu seja romântico demais, e posso até estar fazendo tempestade em copo d’água. Agora, não deixa de passar pela minha cabeça que não enxergar o torcedor como peça-chave para a existência de qualquer time é uma miopia severa de alguém que deve ser “o cara” da franquia. Se Justin Fields deixar o time daqui alguns anos, ele estará preocupado em executar o plano de jogo na sua nova cidade. Enquanto isso, os fãs seguirão com o Chicago Bears, a cada domingo, grelhando seus hambúrgueres e torcendo para chegarem ao Super Bowl.
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