Fora de Jogo: Baker Mayfield e as peças que a incerteza prega na vida

Com a chegada de Deshaun Watson, Mayfield enfrentará um caminho tortuoso para o sucesso na NFL

Não é raro olharmos para o passado tomados por um sentimento de saudades e abraçarmos a nostalgia. Um dia especial, um churrasco com amigos no qual uma grande história aconteceu, uma história que será repetida nas rodas de conversa dos mais próximos por anos, quiçá décadas. Muitos lembram dos dias de faculdade, o primeiro período, recheado de promessas de carreira, relacionamentos e um leque gigantesco de opções à frente. O sentimento de que éramos jovens, invencíveis e com uma vida inteira pela frente. Nenhum obstáculo se mostrava grande o bastante.

O interesse do Cleveland Browns na potencial pilha de problemas fora de campo chamada Deshaun Watson certamente deve ter criado um flashback na cabeça de Baker Mayfield. Explosivo em Oklahoma, vencedor do Heisman em 2017 e a atitude de quem estava pronto para tomar as rédeas da NFL. Há quatro anos, às vésperas do Draft de 2018, discutia-se se Cleveland selecionaria Baker Mayfield ou Sam Darnold, com Josh Rosen, Josh Allen e Lamar Jackson correndo por fora. O time de Ohio escolheu a estrela da conferência Big XII, com a personalidade forte o suficiente para aguentar a pressão de ser “o cara” de uma combalida franquia.

Por um tempo, nome, prêmios universitários, atitudes e capital de Draft gasto podem elevar a percepção de certas perfomances. Há um maior grau de otimismo sobre o futuro; como calouro ou segundanista, há uma boa vontade sobre o que alguém “ainda pode atingir”. Entretanto, os jovens quarterbacks dessa geração queimaram a largada e criaram um ambiente mais impaciente. Nos anos recentes, Justin Herbert, Patrick Mahomes, Joe Burrow, Josh Allen, Kyler Murray, Lamar Jackson,  para citar alguns, mostraram excelência logo na largada de seus contratos de calouro, em grau maior ou menor. Notadamente, Baker Mayfield não está nessa lista.

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Seja por falta de continuidade, lesões, regularidade ou adaptabilidade para trocas de comissão técnica, Baker Mayfield nunca esteve acima de qualquer suspeita, nem nos seus melhores dias com um Cleveland Brown – também conhecidos como “anos pares”, 2018 e 2020. Você pode argumentar que o nível de performance e relativa estabilidade na posição é um fator incrível quando consideramos o retrospecto trágico que os Browns carregam na era do Super Bowl. Não discordo, mas não se pode, na NFL, comparar o seu momento atual apenas com o seu próprio momento de alguns anos atrás. Isso é excelente para autoconhecimento e crescimento pessoal, não para uma das ligas mais competitivas e niveladas entre todos os esportes.

Muito disso, claro, vem da percepção pública que se criou do camisa 6. Uma gigantesca personalidade prometia uma nova era, sob uma promissora gestão em Cleveland. E teve-se vislumbres dessa grandeza, embora perdidos na inconsistência. Afinal, Mayfield triunfou na pós-temporada, contra ninguém menos que o Pittsburgh Steelers, um feito gigantesco para a carente torcida dos Browns. Ainda assim, a expectativa para o ex-Sooner acelerou a impaciência. As lesões de 2021 aceleraram o desgaste do quarterback com a franquia, isso sem mencionar as polêmicas com seu estelar recebedor Odell Beckham Jr. Interceptações intempestivas, um desempenho conservador e agravado por um ombro baleado mudaram a percepção pública do jogador.

Hoje, Baker Mayfield espera a troca e o destino que lhe aguarda. Sem a mesma imponência e assertividade de 2018, o ainda Cleveland Brown tem as ferramentas para ser bem sucedido. Não fosse um nome de peso à la Aaron Rodgers ou Deshaun Watson, eu estaria satisfeito em vê-lo como titular em 2022, tentando reeditar o sucesso que teve em Ohio sem as lesões que o frearam em 2021. Entretanto, o gigantesco preço dos Browns coloca um gosto azedo na boca de quem acompanha NFL. Estaria a franquia tão desesperada para encontrar uma alternativa ao ainda jovem Baker Mayfield? Os Browns deram um all in sem ter a certeza de trariam Watson para o elenco. Mesmo sem essa certeza, a franquia achou ser razoável antagonizar seu atual titular pela tentativa de ter o ex-Texan. O que devem pensar os outros times, que viram o time de Ohio se mobilizar tão intensamente para começar um novo capítulo na posição de quarterback?

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Há cinco anos, Baker Mayfield surfava a crista da onda. Esses momentos de glória devem ainda ocupar a cabeça do jogador, ainda que esporadicamente. Sem o frenesi midiático e a boa vontade dos torcedores e analistas, cabe a Mayfield recomeçar na NFL. Conquistar o espaço que lhe foi entregue em 2018, com boas atuações, dedicação e regularidade. Mostrar aos Browns que o jogador que eles selecionaram ainda existe, e que a franquia poderia ter alcançado sucesso sem hipotecar o futuro por Deshaun Watson. É um caminho longo, tortuoso e que escapa do total controle de qualquer jogador, mas nem tudo na NFL é favorável. Pelo contrário; a adversidade é parte integral e constante da vida do futebol americano profissional. Cabe ao ex-Oklahoma abraçar essa característica, tratá-la como cotidiano e reconstruir sua carreira em um novo endereço, mais receptivo e disposto a abraçá-lo, com suas qualidades e defeitos.

Quem sabe daqui alguns anos, quando a nostalgia atacar Mayfield, ele possa olhar para essa troca do Deshaun Watson como o estopim da melhor parte de sua carreira.

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