Fora de Jogo: O charme de um azarão

Numa semana de vitórias de Dolphins e Washington Football Team sobre Ravens e Buccaneers, respectivamente, somos lembrados da paridade da NFL e de que cada domingo é único

Fora de Jogo é a coluna semanal de Eduardo Miceli no ProFootball com temas que vão além da end zone. Siga Eduardo no Twitter em @MiceliFF

“Às 8h30 nós chegamos ao estacionamento, sendo que ele só abre de verdade à 9h” me contou um torcedor do Washington Football Team durante o tailgate para o duelo contra os atuais campeões do Super Bowl, o Tampa Bay Buccaneers. Desde que me mudei para a capital dos Estados Unidos, a partida do último domingo foi minha terceira no FedEx Field, e já começo a internalizar e assimilar os hábitos dos fãs dos tricampeões do Vince Lombardi.

A frase acima do torcedor mostra a rotina de quem tem season tickets. Domingo é dia de montar sua tenda, levar cadeiras, alguns coolers e esperar chegar 13h em boa companhia. Uma grelha para fazer alguns cachorros-quentes, uma televisão para esperar a largada de Interlagos – tudo para criar um bom ambiente antes de uma prova de fogo para o Washington Football Team.

Convenhamos, a temporada não é de grandes expectativas para o time da capital americana. Em casa, venceu (com sofrimento) o New York Giants no Thursday Night Football, mas foi batido pelo New Orleans Saints de Jameis Winston e Kansas City Chiefs de Patrick Mahomes. A perspectiva de enfrentar Tom Brady já colocava os torcedores na fase de “aceitação” dos cinco estágios do luto – “se for pelo menos um jogo parelho, é bom o bastante”.

Durante o aquecimento, todos os olhares se voltavam para Tom Brady – como não poderia deixar de ser

Esse sentimento era particularmente potencializado pela gigantesca presença de camisas 12. Patriots ou Buccaneers, ou até a 10 de Michigan; desde que estivesse escrito “Brady”, era o suficiente. O metrô estava dominado por camisetas e casacos com a insígnia “Super Bowl LV”, algo até corriqueiro no FedEx Field para os visitantes. Ainda assim, o poder de uma estrela era inevitável – o sentimento de “vamos enfrentar o Tom Brady” dominava os torcedores do Washington. Se me permitem uma referência de jogador de videogame dos anos 90, era como olhar a lua se aproximando em Majora’s Mask.

Para completar o clima, na pós-temporada do ano passado, Washington foi eliminado em casa justamente contra os Buccaneers, o primeiro degrau da conquista do Super Bowl para o time da Flórida. Eu mesmo, confesso, acreditava num atropelamento dos Buccaneers. Heinicke não é exatamente um quarterback que passa confiança, e, do outro lado da bola, a defesa está muito aquém do que foi em 2020. Ao mesmo tempo pensava “não seria incrível que a primeira vitória do Washington Football Team que eu veja no estádio se dê justamente contra o Tom Brady?”.

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Já nos assentos, estava ao lado de duas crianças com peças de roupa do Washington Football Team dos pés à cabeça, um torcedor com a camisa do lendário Sean Taylor, dois com a 12 de Brady e um peixe fora d’água com a camisa de Jalen Hurts. Um cenário heterogêneo, comum no FedEx Field. E lá fomos nós com a primeira campanha dos Buccaneers – three and out. Bom começo, mas uma miragem, provavelmente. Na campanha do time da casa, 3 pontos no placar – “pelo menos assumimos a liderança”, pensei.

Em seguida, Tom Brady foi interceptado e o estádio explodiu pela primeira vez. É empolgante ver o time da casa conquistando um turnover, mas não é garantia de nada – vimos isso com Mahomes e Winston e o placar final foi decepcionante para quem veste o burgundy and gold. Os três pontos na campanha seguinte colocaram 6 a 0 no placar, um bom começo, mas basta uma boa campanha desse ataque vertical e estaríamos atrás no placar novamente.

E aí veio a segunda interceptação. O péssimo passe de Brady no meio do campo para Mike Evans acabou no colo de Bobby McCain, e os torcedores do Washington Football Team começaram a se abraçar, num sentimento “dá pra gente ganhar”. O sentimento só se tornou maior com o belo passe de Taylor Heinicke para DeAndre Carter na campanha seguinte, abrindo 13 a 0 e fazendo as duas crianças ao meu lado quase entrarem em combustão espontânea.

Desse ponto em diante, o FedEx Field se tornou um cenário ideal para um azarão. Os torcedores demoraram para acreditar que o time poderia enfrentar um dos grandes times e quarterbacks da NFL, mas quando a defesa e Heinicke deram a mão de esperança, os torcedores agarraram os braços. Ainda que Tom Brady tenha trazido os rompantes de Buccaneers que esperávamos, como no touchdown para Mike Evans, havia no ar um clima de triunfo dos donos da casa.

Com passes inteligentes e ganhando sobrevida escapando de pockets já desmontados, Heinicke comandou uma campanha 19 jogadas e 80 jardas que resultou no segundo touchdown de Antonio Gibson, acabando com o relógio. E assim, deu zebra no FedEx Field.

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De alguma forma, estar diante de Tom Brady e dos campeões do Super Bowl colocou a energia do estádio a mil. Duas forças muito únicas se manifestaram no domingo no estádio; a primeira era da presença do Tom Brady e da forma que isso impactou os torcedores antes, durante e depois do jogo. Estar na frente de uma lenda mexe com um time, e no momento em que um quarterback quase infalível mostra que pode ser batido, há uma enxurrada de adrenalina que empurra a equipe para frente.

Além disso, esse tipo de confronto mostra o quão equilibrada a NFL é. Qualquer domingo pode mudar o futuro de um time, qualquer um pode vencer qualquer outro. Vimos o Buffalo Bills perderem para o Jacksonville Jaguars na Semana 9; no Thursday Night Football, os Dolphins frearam o Baltimore Ravens. Domingo, o Washington Football Team parou o atual campeão do Super Bowl. Futebol americano é extremamente dinâmico, e é um dos motivos pelos quais é tão apaixonante.

Pode ser que as temporadas de Washington, Miami e Jacksonville não resultem em playoffs  – imagino que nem o mais otimista dos torcedores desses times espere isso. De qualquer forma, vencer o título não é a única forma de ter bons momentos durante uma temporada. Certamente o torcedor de Washington que esteve no estacionamento no dia 14 de novembro de 2021, tomando algumas cervejas e comendo alguns hot dogs, se lembrará com carinho do domingo no qual venceram Tom Brady. Nessas horas, vemos claramente como o esporte não fica apenas nas quatro linhas e no box score, mas na comunidade e na riqueza da experiências de cada torcedor.

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