“Se Hannibal Lecter corresse 40 jardas em 4.3 segundos, nós provavelmente o diagnosticaríamos com um distúrbio alimentar”. A frase de Steve Keim ilustra como a NFL trata comportamentos erráticos, nocivos e até mesmo criminosos na busca de estrelas para seus elencos. Episódios que deixariam qualquer recrutador alarmado o suficiente para não trazer uma bomba relógio para seu vestiário se tornam advertências leves. No fim das contas, o que importa é o talento, certo?
A vitória apertada do Tampa Bay Buccaneers sobre o New York Jets se tornou secundária nos noticiários desta semana. Como muito bem colocou meu caro Deivis Chiodini, “imagine você jogar no atual campeão do Super Bowl, ter como seu quarterback simplesmente Tom Brady e no meio de um jogo da Semana 17, tirar o equipamento e ir embora da partida?”
Nos últimos anos, Antonio Brown colecionou manchetes. Não apenas esportivas, mas também de noticiários policiais – e as esportivas não foram pelo seu rendimento dentro de campo. Depois de alegadamente ter arremessado uma bola no companheiro de Pittsburgh Steelers, Brown foi trocado para o então Oakland Raiders. Lá, não participou dos treinos por uma crioterapia no pé e “questões com o capacete”. Forçou uma saída, sem consideração pelas escolhas dadas pela franquia, e, logo em seguida, assinou com o New England Patriots.
Honestamente, isso levantaria um alerta vermelho na cabeça de qualquer pessoa razoável. Porém, os gestores da NFL preferem dar o benefício da dúvida. Ou melhor, inúmeros, incontáveis e sem fim benefícios de dúvidas. Posto isso, seu tempo em Boston foi curto. Acusasões de estupro e crime sexual gravíssimas vieram à tona e o wide receiver foi cortado 11 dias após ter assinado um contrato de 15 milhões de dólares.
A ficha corrida continua: Antonio Brown foi denunciado por burglary com battery – trocando em miúdos, invasão de propriedade privada com agressão de terceiros em janeiro de 2020, meses após sua última aparição na NFL. No mesmo ano, Brown foi suspenso por oito partidas por violação de conduta da NFL.
Isso seria o suficiente para que times ficassem longe dessa personalidade, certo? Se tratando de NFL, claro que não.
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Antonio Brown se tornou um Buccaneer em outubro de 2020, se reencontrando com Tom Brady e formando um trio estelar ao lado do também ex-Patriot Rob Gronkowski. Dentro de campo, Brown contribuiu com um touchdown no Super Bowl LV. Enfim, o ex-Steeler, ex-Raider e ex-Patriot encontrou na Flórida seu anel. Com um novo contrato em 2021, Antonio Brown mais uma vez se tornou destaque por seu comportamento fora de campo: o camisa 81 falsificou o comprovante de vacinação para a NFL. Foi suspenso por três jogos – uma suspensão que foi anunciada logo após os Buccaneers noticiarem sua ausência por lesão por duas partidas.
Alguns dizem que a pancada criminosa de Vontaze Burfict no ex-Steeler foi o início da derrocada e dos comportamentos “erráticos” de Antonio Brown, para ser gentil. Entretanto, há relatos que mostram condutas abusivas e nocivas desde os seus tempos de high school e futebol americano universitário. Sabemos que traumas cerebrais são comuns na NFL, infelizmente. De qualquer forma, quando começou é irrelevante para o que presenciamos nos últimos três anos. Beira o inacreditável saber que Antonio Brown estava elegível para uma partida em pleno 2022.
A atitude na tarde de domingo está sendo tratada como a gota d’água para o relacionamento do jogador com o Tampa Bay Buccaneers. Agora, não é inacreditável que isso seja a gota d’água? Após anos de segundas chances e benefícios da dúvida após comportamentos inescusáveis? A analista Nora Princiotti fez uma observação perspicaz: é engraçado ver os Buccaneers agirem como se eles tivessem tomado a decisão de cortá-lo. Não foi o que aconteceu. Antonio Brown se negou a entrar em campo por duas vezes e simplesmente tirou os equipamentos e foi embora. E foi isso. Os Buccaneers bancaram Antonio Brown até o ponto que era tolerável na percepção pública.
E céus, como a percepção pública é generosa com a NFL.
O wide receiver há quase exatamente um mês atrás forjou um documento, um crime federal para mortais não-estrelas da NFL, colocando seus companheiros de equipe em risco. Mesmo assim, vida que segue. Se ele corre as rotas mais precisas da NFL, quem se importa, não é mesmo?
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Antonio Brown certamente precisa de auxílio para reencontrar seus melhores dias. Como disse há algumas semanas sobre Calvin Ridley, é importante que físico esteja aliado ao mental para que alguém esteja saudável. Nos últimos anos, sabemos que não é o caso.
Para além do recebedor, falemos dos adultos na sala que esperávamos que fossem adultos e não foram. É inacreditável o grau de tolerância da NFL e suas franquias com comportamentos erráticos e perigosos. Chances de redenção são importantes, claro. Entretanto, é necessário também mostrar punho firme quando um atleta aproveita de inúmeras oportunidades para se tornar uma violação de personal policy conduct ambulante. Infelizmente, valida-se o comportamento do atleta que é, indubitavelmente, um dos grandes talentos da posição da última década, sendo até mesmo capa do Madden.
No fim das contas, é mais um talento que será lembrado pelos seus atos fora de campo. Crimes sexuais, violência, desrespeito às franquias serão a tônica das memórias sobre Antonio Brown. Mas se ele não tivesse tirado a camisa, estaria na sua televisão no próximo domingo.






