Quando o Draft de 2023 da NFL tiver se encerrado, na noite de sábado, 259 jogadores de futebol americano terão suas vidas mudadas para sempre – e esse número ainda vai subir bastante quando os times assinarem com os free agents não-draftados. O número pode até parecer alto, mas chegar na elite do esporte é um mundo restrito e bastante difícil – em muitos casos, essa é a grande chance de suas famílias mudarem de vida. E talvez a única.
O processo pré-Draft pode ser estressante para prospectos como Bryce Young, Joe Burrow ou Trevor Lawrence. Só que esses personagens não precisam se preocupar com o que será de suas carreiras dali para a frente, porque o futuro é brilhante. Fama, dinheiro, conquistas. A partir do momento que você assina um contrato e recebe seu bônus de assinatura, a vida e o futuro de sua família está praticamente resolvido.
Essa parcela do Draft é muito pequena. Para cada escolha de primeira rodada e as expectativa que se formam, existe uma porção de jogadores que sonha em ser escolhido por alguma equipe nas rodadas finais do Draft para manter vivo o sonho de jogar na NFL. Para se ter uma ideia, o Mr. Irrelevant (nome dado ao último jogador escolhido num determinado Draft) de 2022, Brock Purdy, assinou um contrato de 4 anos e 3,73 milhões de dólares com o San Francisco 49ers. Essa foi a base do salário de um jogador draftado no último ano, e embora seus contratos não sejam garantidos, o dinheiro recebido por um jogador de sétima rodada só por ser draftado e participar do training camp pode ser de vital importância para suas famílias.
Na semana do Draft 2023, o ProFootball conversou com três jogadores que foram escolhidos no terceiro dia de suas classes – a NFL adicionou o sábado no recrutamento em 2010. De campeões do Super Bowl até o recordista de mais vezes dispensado na história da liga, os sentimentos que envolvem a ligação e o nome ser anunciado como uma escolha de Draft são distintos. E angustiantes.
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“Eu sou bom o suficiente?” Era a pergunta rodando a cabeça de Corey Nelson enquanto o Draft de 2014 avançava ao seu terceiro dia. “Existia uma mistura de sentimentos que atinge você de uma vez. É difícil de explicar porque muita coisa acontece ao mesmo tempo. A forma que eu encontrei foi de ficar com a minha família, e isso deixou tudo mais fácil desde o começo porque aliviou muito do stress e da ansiedade”
Até a hora que Corey recebeu uma ligação com o código de área 303, que representa a região de Denver, a angústia dominou o linebacker. Quando os Broncos anunciaram que ele seria a próxima escolha (e última do time naquele recrutamento), ele contou ao ProFootball que o alivio foi instantâneo; pela franquia, ele jogaria os próximos quatro anos, misturando snaps como jogador de defesa e special teams e sendo parte do elenco que conquistou o Super Bowl 50.
“Eu sempre olhei por uma ótica de ‘acredite no processo e aceite onde você cair’, sabe? Você não pode ficar chateado por não ser escolhido por uma equipe específica: foi draftado, é hora de trabalhar para jogar no nível profissional. Você agradece a oportunidade”, comenta o ex-linebacker, que também teve passagens por Philadelphia Eagles, Atlanta Falcons e Tampa Bay Buccaneers. “Eu tenho certeza que alguns jogadores se sentem tristes, ou querem escolher um time que seja benéfico para eles, mas pessoalmente eu sempre abracei o desafio não importa onde eu estivesse”.
Ser draftado, aliás, não é garantia de absolutamente nada. Se o Green Bay Packers de 2022 manteve as 11 escolhas de Draft no elenco inicial de 53 jogadores quando a temporada começou, é uma raridade e não a regra; só que obviamente você tem muito mais gordura para queimar na liga se é uma escolha de primeiro ou segundo dia – desde que a liga instituiu o terceiro dia de Draft, em 2010, apenas Jabari Zuniga (terceira rodada, Jets, 2020) foi escolhido no primeiro ou segundo dia e não sobreviveu ao elenco inicial de 53 jogadores do seu ano de calouro.
Você não tem esse luxo quando se é uma escolha de quarta rodada. De sétima, então, nem pensar.
“Ser draftado ou não ser draftado é só o começo. A questão é sempre abraçar a rotina e os desafios e trabalhar, trabalhar, trabalhar – nada do que aconteceu no dia do Draft importa depois do Draft. Depois que você entrou num time, tudo é possível, e com a ética de trabalho correta as coisas se tornam possíveis”, finaliza o ex-linebacker.
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Se você não sobrevive aos cortes de 53, é um momento difícil na sua carreira. Imagina então ser o recordista de mais vezes dispensado na história da NFL, com incríveis 21 vezes.
Essa honra (?) pertence a Julian Vandervelde, que fez parte de Philadelphia Eagles e Tampa Bay Buccaneers entre os anos de 2011 e 2015 após ser uma escolha de quinta rodada por Andy Reid e Howie Roseman, este apenas em seu segundo ano como general manager na Philadelphia.
Se Nelson estava nervoso pensando se ele era bom o suficiente para ouvir seu nome ser anunciado já na noite de sábado do Draft de 2014, a preocupação de Vandervelde saindo de Iowa era quase nula três anos antes. “Eu não estava estressado. Eu sabia que ia ser uma escolha de terceiro dia a menos que algum time ficasse maluco, então eu podia ver meus amigos e companheiros de time serem escolhidos. Pensando bem, é mais fácil ser escolha de meio de Draft porque você não está preocupado com o dinheiro e a pressão das primeiras duas rodadas, e também não entra em pânico pensando que não vai ser escolhido em nenhuma das sete”.
Apesar do número absurdo de transações com o Philadelphia Eagles, Vandervelde não perdeu o humor com a situação ao longo da sua carreira. Um famoso repórter dos Eagles, Jimmy Kempski, criou uma sequência de fotos com expressões faciais do jogador: a cada nova transação, uma nova foto.
Vandervelde, que atuou por cinco anos na NFL como center e guard, reconhece que chegar ali já é um privilégio imenso. “A NFL é uma oportunidade incrível e só de estar num training camp já é uma benção que muitas pessoas só podem imaginar. Quando você é escolhido, é um momento eufórico, e você respira aliviado porque existe sempre a possibilidade de você não ser draftado; só que quando chega a ligação com o código de área da cidade enquanto você está sentado olhando para a TV, o seu coração vai até a boca, e o resto é só celebração e felicidade”.
Tantos cortes e assinaturas e cortes e assinaturas podiam ter mudado a motivação do jogador enquanto ele esteve na liga. Não mudaram. “Não existe garantia de nada, não é? Alguns jogadores do primeiro dia viram busts, carreiras acabam por lesões… o segredo é nunca duvidar que você merece estar ali e continuar sempre se preparando. Do dia em que você é draftado até o dia em que sua carreira na NFL acaba, é sobre aproveitar a experiência”, conclui.
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“Eu esperava ser escolha de primeira rodada, talvez início da segunda. Foi difícil para mim”, diz Ricky Sapp, escolha de quinta rodada dos Eagles em 2010.
Sapp foi destaque como pass rusher em Clemson desde seu primeiro ano na faculdade até o último. Seus 17.5 sacks na carreira universitária e seu atleticismo incrível projetavam-no como uma escolha certa de segundo dia do Draft de 2010. Os próprios scouting reports da época apontavam um problema no seu joelho como um motivo para sua queda, e logo no seu ano de calouro, ele precisou fazer outra operação que o tirou de ação enquanto calouro.
Quando os Eagles escolheram-no, analistas de Draft da época chegaram a chamá-lo de maior steal de toda a classe. Se Philadelphia estava feliz de ter seus serviços com uma escolha tardia, aquela tarde de sábado foi bastante difícil para Sapp. “Foi difícil demais. Eu tinha família, amigos comigo, todo mundo me ajudou a me manter positivo. No momento em que aconteceu, foi maravilhoso, uma explosão de sentimentos bons – nada foi melhor do que ver minha mãe chorar de alegria”, ele nos conta.
Falamos sempre sobre steals e reaches do Draft, só que – vale repetir – cada escolha representa a mudança de vida de uma família se consumindo, e em vários casos é angustiante ver outros jogadores sendo escolhidos antes que você. Tom Brady, por exemplo, tem decorado o nome dos seis quarterbacks que foram escolhidos antes dele na classe de 2000 e sempre deixou claro que usou isso como motivação.
Quando um jogador está caindo no Draft em relação ao que era projetado, os torcedores ficam felizes quando o time consegue um steal.
Para o jogador, a queda é um momento de muita angústia e incerteza.
“O processo é duro. A bem da verdade, você tem que ficar feliz por ser escolhido por qualquer time. Não é onde você começa e sim onde você termina, então tudo que você precisa é de uma oportunidade”.
A carreira de Sapp na NFL teve um destino curioso. Depois de sua escolha pelos Eagles, ele nunca chegou a jogar pelo time, inclusive ‘abandonando’ a equipe de forma repentina em dois momentos distindos e sendo cortado em 2011. Ele chegou a assinar por New York Jets, Houston Texans e Washington Commanders antes de sua carreira na liga profissional se acabar. Ainda assim, ele se mostra bastante grato por ter tido o privilégio de participar da NFL.
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Ser uma escolha de Draft, no fim das contas, é um grande privilégio. É o momento para o qual você se preparou a vida toda e que vários jogadores que fizeram o mesmo não conseguem alcançar. O glamour, a televisão, as entrevistas, o alto bônus de assinatura – tudo isso está restrito aos jogadores dos primeiros dias. Quem sobra para o sábado precisa ralar muito para manter acesa a chama de ser parte da NFL.
De fora, é só um nome. Para quem vive, é o grande momento da vida. E também a grande angústia.
O Draft de 2023 acontece entre os dias 27 e 29 de abril e o ProFootball conta com a mais completa cobertura de NFL no Brasil com nossos textos e podcasts. A promoção para assinar o site no plano anual com 50% de desconto vai até o sábado, último dia de escolhas no recrutamento de 2023.
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