Cairo Santos

ProFootball Entrevista #1: Cairo Santos (Parte II)

Na parte 2 da entrevista, o kicker do Chicago Bears fala sobre a recuperação pós-lesão na virilha, expectativas para a temporada 2023 e relação com o Brasil. Confira!

Ao longo da temporada 2023 – e, esperamos, das próximas temporadas -, o ProFootball publicará uma série de entrevistas com jogadores, ex-jogadores e personalidades da NFL, dando início a um quadro diferente no site. O ProFootball Entrevista chega para mostrar um lado diferente das opiniões e análises que são a base do site: queremos que o leitor fique ainda mais por dentro de como as coisas acontecem.

Para inaugurar a série de entrevistas, Cairo Santos nos cedeu mais de uma hora de seu tempo durante o training camp do Chicago Bears para uma entrevista que, julgamos, ficou ótima. Passando por toda sua carreira, algumas dificuldades e perspectivas de futuro, Cairo também nos deu insights interessantes sobre a posição de kicker e como é a relação entre jogadores da posição. Você lerá abaixo a transcrição da entrevista com pequenas edições para facilitar a leitura.

Esperamos que gostem do novo quadro do site – e, acima de tudo, deixamos nossos agradecimentos a Cairo e ao time de comunicação do Chicago Bears pela disponibilidade mesmo durante um período tão intenso antes da temporada começar. Foi uma entrevista muito agradável.

Pelo tamanho da entrevista e da conversa, decidimos dividir a conversa em duas partes. Você pode encontrar a Parte I clicando aqui. Vamos retomar a Parte II a partir da cirurgia realizada por Cairo em 2017

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Cairo Santos: A verdade é que, pra mim, demorou muito para sentir o que era ser saudável. O que eu sinto hoje, agora, na minha quarta temporada com os Bears, é que não tem um dia depois de chutar que eu fique dolorido. Na época, eu tive oportunidade de ir para o New York Jets: tentava chutar achando que estava saudável, continuava tendo problemas com a virilha, então fui dispensado; fui contratado depois pelos Rams por algumas semanas para substituir o Greg Zuerlein, e novamente achava que estava bem, mas não forte o suficiente para chutar com confiança.

Eu tentei mudar coisas na minha técnica, adicionei mais um passo atrás para ter mais impulsão para atacar a bola, usar mais meu corpo inteiro ao invés da virilha, gerar mais força… depois eu ainda assinei com os Buccaneers por um ano, mas perdi a competição para o Matt Gay em 2019 – ele foi draftado, nós dois chutamos muito bem, só que Tampa Bay preferiu ficar com ele porque ele tem uma perna muito forte e havia sido draftado; logo em seguida, eu assinei com o Tennessee Titans porque o Succop estaria machucado por oito semanas. Lembro que, no meu quinto jogo, contra o Buffalo Bills, choveu durante todo o pré-jogo, o que afetou todo meu aquecimento. Aquela foi a primeira vez que eu chutei na chuva desde a primeira vez que eu machuquei lá em 2017.

Aquilo me deu um desconforto enorme. “Minha virilha está forte o suficiente para chutar na chuva?” Os kickers aquecem uma hora e meia antes do jogo, porque quando o restante do time entra para aquecer, não há espaço para chutar. Se quer aquecer com os goal posts, testar o vento, precisa ser mais de uma hora antes. Tem um desgaste bem grande. Eu estava sem confiança de fazer tudo isso na chuva de novo, então tive o pior jogo da minha carreira. Errei três field goals, um foi bloqueado, eu não tinha nenhuma confiança e fui cortado logo depois. Em 2019 eu não recebi mais nenhuma ligação depois.

Foi um período muito difícil. Será que eu ainda tinha vaga na liga? Será que eu consigo voltar para o nível que eu tinha com o Kansas City Chiefs? Eram 89%, 90% de acerto… eu tive muitas dúvidas. Só que, durante esse tempo que eu fiquei sem time, o meu foco estava em esperar a próxima oportunidade porque ia ser a última. Eu via vários kickers sendo chamados, ficava triste por não ter ligação, mas eu tinha muito o foco de que ‘eu só preciso de mais uma ligação’. E aos poucos eu senti meu corpo muito melhor, comecei a cuidar muito melhor, fortaleci partes diferentes para apoiar a virilha, e aos poucos eu senti ‘hm, veja só, meu corpo está mais forte e saudável, estou chutando melhor’. Até voltei a usar minha técnica antiga, com passos curtos, pra melhorar como eu acertava a bola, controlando melhor a mira.

E quando surgiu a oportunidade de assinar com o Chicago Bears em 2020 por uma lesão do Eddy Piñeiro foi a oportunidade que eu agarrei. De todos os times, os Bears eram o time perfeito para eu ter essa última oportunidade, seria no lugar mais difícil de chutar. Ou ia elevar minha carreira e voltar aos trilhos, ou ia acabar – em Chicago tem mais vento, mais frio. Já estava numa época com uma sede de oportunidade, de provar que eu conseguia ser o cara que eu achava que conseguia ser. Da forma que eu estou agora, forte, saudável, eu posso mudar a história da franquia com relação aos kickers e ganhar um grande nome na cidade e com a equipe. Foi a oportunidade que eu precisava: estou chutando bem, estou saudável e estou quebrando recordes no lugar mais difícil de chutar. Acho que eu ganhei muito nesses anos difíceis, vários aprendizados que foram importantes para eu me tornar o kicker que eu precisava ser, com a mente que eu precisava ter, na oportunidade que eu tive.

ProFootball: E é muito legal ouvir você falar isso, porque a mídia em geral aborda técnica de várias outras posições. O cornerback está alinhado em press ou em off? Qual rota o wide receiver vai correr? Em qual stance o iDL está alinhado e qual gap ele vai atacar? Mas a gente raramente vê um kicker falar disso – a questão dos passos, por exemplo, eu sinto que é um consenso que se dá três passos para trás e dois para o lado, só que ninguém fala da distância ou da técnica específica para a posição. 

Já que estamos falando de Chicago Bears, acho que não dá pra deixar de mencionar as ótimas sequências que você teve desde 2020. Até escrevemos um texto na época, é o tipo de coisa que ficamos feliz de reportar, mesmo que os Bears não sejam muito competitivos nesses últimos anos. Nesses casos é só confiança ou tem algo a mais?
Cairo:
Tem bastante coisa, né? A confiança é algo que eu sempre… eu sempre consegui chutar melhor depois de começar uma pequena sequência. Acho que todo mundo pode se relacionar com isso: quando as coisas estão indo bem, nós estamos mais felizes, conseguimos fazer aquilo que a gente gosta ou algo mais difícil sem pensar muito: estamos só fazendo, então o processo flui. Ter um bom começo com os Bears me ajudou bastante nessa sequência de 40 acertos; só que nesses anos de dificuldade, o apoio que eu tive da minha mãe, da minha esposa, da minha família adotiva aqui nos EUA… não necessariamente de motivar, mas ajudar na parte física, de tratar do meu corpo, de cuidar de outras partes do dia-a-dia para que eu pudesse focar e ficar várias horas no treino ou fazendo meus tratamentos.

As vezes você vive uma fase em que se precisa pensar mais, ou se fechar um pouco mais para estudar o que precisa melhorar. Eu tive apoio demais nessa parte de me ajudar a voltar a ser o cara que todo mundo sabia que ainda existia ali. Outra coisa é que, quando eu cheguei no Chicago Bears, minha esposa já estava esperando meu primeiro filho, Daniel, que nasceu durante a temporada de 2020 aqui em Chicago, e isso mudou minha vida na perspectiva de ser um pai. Chegar em casa depois dos treinos, das cobranças, das expectativas que você vive, num preparo semanal e numa pressão gigante de jogar na NFL, e chegar em casa com um filho que só quer seu melhor, que só quer te ver feliz. Você sente que só precisa disso – não importa se eu tive um treino ruim, se eu estou nervoso para um grande jogo, é nesses momentos que eu consigo me soltar em casa e ser um pai. Isso tirou um pouco dessa pressão que eu colocava muito nos meus ombros, de ‘eu vou ser feliz dependendo dos meus jogos e dos meus treinos’. Isso diminuiu muito depois de ter filhos, porque a felicidade fora de campo começou a ter outro sentido. Me ajudou demais a me sentir mais tranquilo em dias de jogos, e cada vez mais isso me deu confiança.

PF: E até pensando em confiança e expectativa, a gente sabe que torcedor nem sempre é racional. Seja no futebol, seja no futebol americano, na NBA, o torcedor pensa no esporte como uma parte muito importante da vida. E essa é uma temporada muito importante para o Chicago Bears, tem o desenvolvimento do Justin Fields, todos os reforços da intertemporada… como que está seu nível de confiança para a temporada 2023?
Cairo:
Eu não sinto que haja uma pressão tão grande em cima dos jogadores e dos técnicos. É claro, a cobrança sempre vai existir se os resultados não vierem, ainda mais começando contra o Green Bay Packers, um rival histórico, porém, a gente aprendeu e melhorou muito, nós sabemos que temos muitos jogadores novos, muitas personalidades novas, nos últimos três anos que estou aqui, a equipe é quase toda nova. Nós confiamos muito no elenco que nós temos e no trabalho que fizemos para mostrar que sim, vai ter melhora para esse ano. Não acho que exista uma pressão de “playoff ou bust”, cada jogo é uma oportunidade. E olhando o calendário, eu acho que vamos fazer um bom trabalho, é uma equipe que está bem sincronizada e quer vencer, no entanto, não estamos indo além do próximo jogo, construindo a partir disso.

PF: Você já esteve em times que ganharam muitos jogos, já esteve em playoffs, já esteve em time que ficou com a primeira escolha geral. São 10 anos de NFL. O que isso significa para você?
Cairo: Para mim, é um número que realmente é especial. Eu lembro de kickers que estavam no 10º ano quando eu comecei, e hoje eu sou um deles, jogando contra os calouros dos Titans na pré-temporada, o Matt Gay nos Colts, o Tyler Bass nos Bills, eles olham para mim de uma maneira que é legal. É o respeito que eu dava, quando eu tinha a idade deles, para caras que já tinham mais de 10 anos na liga. Eu sinto que é um número muito importante entre os kickers, para os jogadores de NFL em geral, a gente sabe como é difícil chegar nesse número.

Mas, da mesma forma, eu sinto que não é o fim. Eu consigo chegar em mais dez anos. Eu aprendi a cuidar do meu corpo, e os resultados que eu venho obtendo, a minha saúde nos últimos três, quatro anos tem sido ótima, eu não sinto nenhum tipo de dor depois de chutar. Acredito que eu venho só melhorando, e eu quero chegar no máximo possível. É um momento legal, mas sinto que ainda é apenas metade do caminho.

PF: Você tem algum sentimento por ser o único jogador nascido no Brasil que já representou o país em um jogo de temporada regular?
Cairo: 
Tenho, com certeza. Eu sentia mais disso no começo por ser algo mais novo – eu sentia a popularidade do esporte crescendo junto ao sucesso, aos meus anos na liga. Nunca foi uma forma de pressão: sempre foi uma alegria muito grande representar o Brasil toda semana. Todo jogo eu escuto alguém me chamando com sotaque brasileiro, eu assino alguma coisa, tiro uma foto, percebo pelo sotaque. Normalmente é em lugares como a Florida, em New York, que costumam ter mais brasileiros, e eu sinto que mesmo que jogue contra o time deles, eles torcem pelo meu sucesso, para que eu acerte meus chutes. Isso é um carinho que não existe entre torcedores de outras nacionalidades, por exemplo. Eu sou muito grato por esse carinho pela minha história, pelo que eu represento, e sempre tento dar alegria e atenção nesse tipo de contato e entrevista, com pessoas que agregam tanto ao esporte como vocês do Pro Football Brasil. É um prazer enorme poder ajustar o esporte a crescer cada vez mais.

PF: E pra gente finalizar, você tem uma legião imensa de fãs no Brasil que não torce para o Chicago Bears mas sempre acompanha seu desempenho, sempre torcendo por você. Quer deixar alguma mensagem para os fãs?
Cairo: Eu sou muito grato, cara. Falo isso de coração. Me dá uma alegria enorme de representar o Brasil na NFL. Eu deixo a desejar bastante nas redes sociais em termos de quanto que eu posto, o quanto que eu agradeço os fãs, todos vocês… eu tenho um foco muito grande quando se fala em treinar, jogar, fazer meu papel aqui, que é o principal para eu poder continuar dando essa alegria para os fãs, então só agradeço mesmo. Eu continuo trabalhando não só para realizar meu sonho, mas para atingir a alegria no coração de todos os fãs que gostam do meu trabalho, gostam da minha pessoa, que torcem por mim em qualquer parte dessa jornada, fosse na Tulane, nos Chiefs, nos Buccaneers, aqui nos Bears… estamos juntos, sempre. Eu uso uma bandeira do Brasil na minha chuteira ou no capacete sempre que eu posso para sentir que eu tenho essa nação junto comigo.

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