No futebol estamos acostumados com um técnico comandando todos os treinos e praticamente só os goleiros tendo um treinador especial. Aquele faz o treino técnico, tático, comanda o coletivo, escala e avalia as contratações. Ainda por cima responde pelo time, dá as entrevistas coletivas e avalia eventuais contratações – até mesmo indicando quem contratar. Por fim, todo o estudo do adversário, as tendências e as melhores táticas também passam por ele. Nos esportes americanos, a realidade é totalmente diferente. Se atendo apenas ao futebol americano, é visível a mudança: comissões técnicas possuem, normalmente, de 20 a 30 profissionais.
Técnico principal, coordenadores defensivos, ofensivos e dos times especiais, técnicos específicos de posições e mais auxiliares. A montagem da comissão técnica muda um pouco de time para time (baseado em preferências dos técnicos principais e outros veteranos disponíveis para acrescentar no dia-a-dia), porém todas têm esta mesma estrutura principal.
A mudança é drástica, mas fica o questionamento: o que cada um faz durante a semana? Aliás, o que sobra para o técnico principal? Como já deu para perceber, o futebol americano tem muito mais preocupações e preparações do que o da bola redonda. A pesquisa é muito mais intensa devido ao equilíbrio, são muito mais posições específicas e o elenco é bem maior. E, por causa disso, engana-se quem pensa que o técnico principal tem tanta responsabilidade como no futebol: os coordenadores contribuem muito ao longo da semana.
No momento da contratação
A escolha dos coordenadores, normalmente, só ocorre após a contratação do técnico principal. Ele, junto com o general manager, definem as tendências ofensivas e defensivas das franquias na próxima era que está por vir e procuram coordenadores que se encaixem em seus estilos.
A esmagadora maioria dos técnicos principais possuem um background ofensivo ou defensivo. Isto define qual lado da bola eles vão se importar mais e, consequentemente, qual coordenador será o mais importante no time. Enquanto Chip Kelly, Andy Reid e Hue Jackson são técnicos com uma bagagem ofensiva, Bill Belichick, Pete Carroll e Dan Quinn possuem uma bagagem defensiva.
Vale ressaltar que a influência do técnico principal em sua unidade favorita muda de treinador para treinador. Alguns somente implantam o seu sistema, outros dividem responsabilidades e, por fim, outros deixam o controle muito mais na mão de seus auxiliares. O mesmo ocorre com o outro auxiliar: alguns técnicos não se envolvem na montagem do lado que não é o seu preferido, alguns se envolvem e outros querem ter um controle efetivo (muito mais raro).
Em um exemplo prático, vamos utilizar uma contratação que mexeu com a NFL nos últimos anos: a de Chip Kelly pelo Philadelphia Eagles. Em 2013, o treinador queria um sistema 3-4 de qualquer maneira e contratou Billy Davis para a função de coordenador defensivo. Kelly não se envolvia em nada na defesa e Davis era o responsável por tudo daquele lado da bola – desde a montagem dos playbooks até a chamada das jogadas. Deu para notar que Kelly controlaria totalmente o ataque, porém ele vinha muito influenciado pela Spread Offense com elementos de Read Option. Era preciso colocar alguns elementos de West Coast, logo ele contratou Pat Shurmur como coordenador ofensivo para influenciar o seu playbook e tornar-se o seu braço direito no ataque.
Após a contratação dos coordenadores (defensivo, ofensivo e de times especiais), as equipes começam a escolher os técnicos específicos. Aí leva-se em conta profissionais que vão ensinar as técnicas que você quer utilizar, confiança de trabalhos passados e técnicos em ascensão que podem virar coordenadores no futuro. Nesta etapa o técnico principal e o coordenador do lado da bola acabam influenciando diretamente nas contratações.
A rotina da intertemporada
A intertemporada é um momento muito chato para a maioria dos fãs, conquanto o período é extremamente importante para todos os técnicos. O técnico principal (junto com o general manager) é o responsável pela avaliação dos esquemas no ano passado, de como os jogadores desempenharam em campo e quais são as mudanças necessárias para se fazer na continuação de seu trabalho. Os recém contratados precisam avaliar os jogadores da era passada, quais são dispensáveis e quais as tendências dos que sobraram para a montagem de um novo sistema.
Já os coordenadores são (em grande parte) responsáveis pelo início da montagem dos playbooks. Os técnicos principais se envolvem diretamente nos lados de sua preferência (o grau do envolvimento varia de treinador para treinador, como já falamos), porém seria função dos coordenadores começarem a identificar os esquemas que vão dar certo, os melhores encaixes para os jogadores e as jogadas que se encaixam ao estilo da equipe. Eles montam a sequência de jogadas (o playbook) e começam a disseminar entre os técnicos de cada posição – lembre-se, é muito importante todos estarem na mesma página.
O início do trabalho com os jogadores
Sem sombra de dúvidas, os momentos mais importantes no desenvolvimento de uma equipe de qualidade são os treinos do minicamp e do training camp. É naquele momento que é possível ajustar o playbook, conhecer realmente os jogadores e começar a ensinar as técnicas mais importantes que serão empregadas ao longo do ano. Ao contrário do que o senso comum prega, não é o treinador principal, mas sim os coordenadores ofensivos e defensivos que têm um papel fundamental nos treinos.
Os coordenadores são os responsáveis por passar o playbook para os técnicos de posição e garantir que todos estão na mesma página. Após isso, eles organizam os treinos específicos e passam quais as técnicas que os treinadores específicos vão ter que repassar para os jogadores. Eles que fazem a coordenação desses treinos e os supervisionam. O técnico principal é o grande responsável pelo training camp, mas ele é um só e não consegue dar atenção para todos. São os coordenadores que fazem isso.
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O coordenador ofensivo, por exemplo, trabalha mais perto do quarterback e se preocupa com a sua mecânica e se ele está começando a aprender o playbook da maneira adequada. Já o coordenador defensivo começa a se preocupar em achar os líderes da defesa e quem vai ser o responsável por passar as instruções dentro de campo. Um grande trabalho coordenado que visa preparar a equipe para a temporada regular que se aproxima. Vale ressaltar que as unidades também têm treinadores específicos. O grupo de quarterbacks tem seu próprio treinador, o de linebackers idem e assim por diante.
A rotina da temporada regular
Durante a temporada regular não adianta alterações drásticas de playbook, mudanças de técnicas gigantes e de postura. O período é de pequenos ajustes aqui e ali para garantir que a equipe continue competitiva e explore os pontos fracos dos adversários.
Durante a semana, os coordenadores são os responsáveis por assistir o videotape e anotar os principais pontos em que a equipe errou na última semana. Após isso, eles fazem as pesquisas sobre as próximas tendências do adversário seguinte, pontos fortes e pontos fracos. Eles fazem os ajustes no plano de jogo para a semana e passam os ensinamentos para os treinadores de posição, assim podem ensinar algumas técnicas que não foram utilizadas nas semanas anteriores. Vale ressaltar que o técnico é o grande coordenador deste processo, no entanto cada um se envolve em graus diferentes.
Durante os treinos, novamente os coordenadores são os caras que organizam a sequência de cada treino específico e supervisiona quem está bem ou não. Eles ajudam os treinadores principais na definição de mudanças no lineup e quem deve ser poupado ao longo da semana.
Só que a semana não acaba só em atividades no campo. O coordenador ofensivo, o técnico de quarterbacks e o quarterback, por exemplo, se encontram para fazer avaliação do videotape e analisar as tendências defensivas dos adversários. Por fim, coordenadores e técnico principal se reúnem, discutem toda a semana e organizam como será no dia de jogo.
No dia do jogo
A estrutura montada no dia do jogo varia muito de equipe para equipe. Alguns técnicos principais não se envolvem nas chamadas e se preocupam com as suas funções únicas: decisões de quarta descida, controle do relógio, chamadas de tempo, desafios, contato com a equipe de arbitragem e a coordenação geral do time (e até mesmo atrapalhar o retorno do adversário).
Com relação ao envolvimento na chamada de jogadas, isto é muito particular de cada sistema. Alguns técnicos não se envolvem em nada em um ou nos dois lados da bola e são os coordenadores que chamam as jogadas. Neste caso, eles ficam na beira do campo e alguns auxiliares são deslocados para as cabines para ter uma visão aérea – coberturas empregadas, tendências ofensivas e blitzes utilizados são observados de lá e repassados para a beira do campo. Alguns treinadores influenciam no que será feito e os coordenadores especificam a jogada. Por fim, outros são os que chamam as jogadas, mas mesmo assim há variações no que fazer: alguns técnicos principais comunicam a jogada para o coordenador e este passa para o campo – seja para o quarterback ou para o líder defensivo. A razão é para manter a mesma voz da semana na cabeça daquele que organiza o time em campo.
Por fim, alguns técnicos chamam as jogadas de um lado do campo e os coordenadores desse lado, normalmente, vão para as cabines para qualificar a avaliação na visão aérea. No intervalo, são os coordenadores os responsáveis por passar o que o adversário está fazendo de diferente, o que tem que mudar e qual deve ser a postura para o segundo tempo – tudo isto em um resumo rápido.
A rotação dos titulares e reservas ou é feita pelos coordenadores ou pelos técnicos específicos de posição. Normalmente os dois estão em total sintonia, logo não há muita polêmica e divergência.
E os coordenadores de times especiais?
Não entramos em detalhes até aqui, mas o papel do coordenador de times especiais é fundamental no sucesso de qualquer equipe. Ele que vai garantir perante ao técnico principal o tempo para treinar as suas unidades, vai identificar quem jogará em qual posição das coberturas de punts, kickoffs e field goals, será responsável pelos treinos específicos, pelas técnicas e por cobrar as unidades. Assim como seus pares do ataque e da defesa, o coordenador de times especiais vai analisar o videotape, ver pontos fortes e fracos nas coberturas dos adversários e vai passar tudo para o campo. Apesar de um pouco esquecidos, eles não podem ser negligenciados: em jogos decididos em detalhes, uma cobertura mal feita de punt ou kickoff pode ser a diferença da vitória ou da derrota.
Por isso que coordenadores ofensivos são os mais procurados para virarem técnicos principais
Deu para notar o porquê de coordenadores ofensivos serem muito procurados para virarem técnicos principais? O motivo é simples: assim como o coordenador defensivo, eles organizam toda a semana e são as principais vozes de suas unidades. A grande diferença é que eles têm um contato direto com os quarterbacks, o que faz toda a diferença: lembre-se, é a posição mais importante do jogo.
Isto significa que o caminho é contratar somente técnicos principais ofensivos? Claro que não, tanto é que Marvin Lewis, Bill Belichick, Pete Carroll e Ron Rivera estiveram nos Playoffs do ano passado para provar o contrário. O essencial é contratar alguém de qualidade, que mostre todo o seu gerenciamento e consiga montar uma comissão técnica coerente, coesa e que consiga extrair o máximo dos jogadores em campo – nada fácil.
A rotina da NFL em nada se compara ao que vemos no primo bem distante da bola redonda. O jogo mais complexo exige uma organização muito maior e quem precisa fazer todo esse organismo funcionar são os coordenadores – ofensivo, defensivo e de times especiais. Os técnicos principais dividem as suas tarefas, conquanto levam toda a responsabilidade por parte da maioria dos fãs. Conhecer o técnico principal é muito importante, visto que ele é a cara da franquia. Só que também é importante conhecer o trabalho e quem são os coordenadores: na maior parte do tempo, eles podem assumir também um pouco da culpa de não ter vencido aquele jogo essencial.
A organização dos treinadores é só mais um exemplo do porquê adoramos este esporte: por ser tão complexo, cria-se todo um organismo para tentar tornar as equipes cada vez mais competitivas e equilibradas. Não há como não se apaixonar cada vez mais quando se aprende todos os mecanismos criados para ter sucesso neste esporte de contato tão próximo do xadrez.






