NINGUÉM AGUENTA MAIS A ARBITRAGEM DA NFL

Erros absurdos, critérios ambíguos, decisões difíceis de explicar e interferência no resultado dos jogos fazem a arbitragem da NFL viver o seu momento de maior descrédito desde a greve de 2012

Quando a arbitragem ganha as manchetes regularmente é um mau sinal para qualquer esporte, pois juízes são como long snappers: se você fala muito sobre eles é porque algo de ruim aconteceu. Infelizmente, esta é a NFL de 2019: zebras roubando os holofotes e muitas vezes tendo suas atuações mais discutidas do que os próprios atletas, as verdadeiras estrelas da festa.

O ápice deste infeliz momento vivido pelo futebol americano profissional ocorreu no último Monday Night Football, quando duas penalidades assinaladas de maneira errada contra Trey Flowers, defensive end do Detroit Lions, possivelmente custaram a vitória da equipe nos minutos finais do confronto contra o Green Bay Packers. Ao invés de tratarmos da grande atuação de Aaron Rodgers ou sobre como os Lions são um time competitivo, estamos aqui falando a respeito de árbitros estragando uma bela partida com decisões ruins. Isso é péssimo para todo mundo, não só para os fãs de Detroit, a parte obviamente mais prejudicada na controvérsia.

Longe de ser um fato isolado, o acontecido na segunda-feira foi apenas mais um capítulo na catastrófica temporada da NFL em relação à arbitragem. Erros crassos e decisões questionáveis desgastam a imagem da liga semana a semana. É razoável supor que a credibilidade dos árbitros – e consequentemente da NFL – não era tão baixa desde 2012 e a fatídica “Fail Mary”. A diferença é que há sete anos eram zebras “genéricas” substituindo árbitros em greve, enquanto hoje são os juízes principais fazendo uma besteira atrás da outra.

Não há complô nem a favor e nem contra ninguém

Parece óbvio, mas não custa dizer: não existe esta história de zebras beneficiando deliberadamente o time X e prejudicando o time Y. Se você acredita mesmo que há um esquema montado para privilegiar alguma equipe ou que a NFL é um jogo de cartas marcadas, bem, então não faz sentido continuar acompanhando o esporte.

Discursos como o famoso “contra tudo e contra todos” são muito bons para motivar jogadores e inflamar torcedores, porém não se sustentam na realidade. Há infinitos casos de times ora beneficiados, ora prejudicados pela arbitragem, como o New Orleans Saints, primeiro atrapalhado por um apito nervoso que custou um touchdown defensivo contra o Los Angeles Rams na semana 2, depois ajudado com o questionável fumble sofrido por Ezekiel Elliott na semana 4. Ou então os próprios Rams, beneficiados diante de New Orleans e mais tarde prejudicados com faltas inexistentes assinaladas contra Clay Matthews.

Por sorte, na NFL não costumamos ver dirigentes das franquias vindo a público fazer críticas pesadas aos árbitros e reclamar de supostos favorecimentos, ao contrário do que acontece no futebol brasileiro. Isso ajuda a situação a não ficar mais caótica do que já está, porque a última coisa que os juízes precisam é de ainda mais pressão.

Erros podem ser perdoáveis, falta de critério e transparência não

Marcus Spears, jogador aposentado e atual comentarista da ESPN norte-americana, disse algo muito interessante após as polêmicas na partida entre Lions e Packers: com a expansão do uso de replays e tecnologia, as pessoas esperam que todas as marcações dos juízes sejam certas. Ele estava falando sobre a NFL, mas, fazendo um paralelo com o futebol da bola redonda, é parecido com o que a gente vive pós-implementação do VAR, sobretudo aqui no Brasil.

Spears está certo ao indicar que uma arbitragem livre de erros é utopia. Juízes são humanos, logo, mesmo apoiados pela tecnologia, eventualmente eles irão se confundir com marcações, deixar de enxergar alguma coisa ou então interpretar algo que o resto do público não concordará. A grande questão é que esses “erros humanos” inevitáveis estão longe de ser único problema do futebol americano na atualidade.

A maior causa de irritação em quem acompanha a NFL, pelo menos é a nossa impressão, é a falta de critério e transparência da arbitragem. Isso faz com que os fãs não tenham a menor ideia do que está acontecendo – daí surgem brincadeiras como “O que é uma recepção?”, “Eu não sei mais o que é uma interferência de passe” etc. Ninguém mais entende como as decisões são tomadas e, sobretudo, porque decisões aparentemente iguais mudam semana a semana. Esse parece ser o maior ponto de desgaste.

Vamos usar como exemplo um lance ocorrido na partida entre Kansas City Chiefs e Houston Texans. No segundo quarto, Patrick Mahomes forçou uma bola na end zone de Houston e foi interceptado. Contudo, uma flanela foi jogada devido a uma óbvia ação faltosa de um defensor dos Texans sobre Travis Kelce. O natural seria o turnover ser anulado por conta da falta cometida pela defesa, porém as zebras consideraram que não houve segurada porque a bola estava no ar no momento do contato, ao mesmo tempo que não houve interferência de passe porque o lançamento não foi na direção de Kelce.

Recolheram a flanela, validaram a interceptação e ninguém entendeu absolutamente nada, até porque o juiz não fez questão nenhuma de explicar a marcação ao público. É esse tipo de coisa que cansa todo mundo – e nem vamos entrar no mérito do time que claramente cometeu uma falta ser beneficiado por uma brecha nas regras.

Ainda sobre a ausência de critérios claros temos as penalidades por violência desnecessária contra o quarterback e interferência no passe, que variam semana a semana de acordo com a vontade dos árbitros. Ora um pass rusher derruba o signal caller de maneira legítima, ora derruba o signal caller da mesma maneira e é punido com uma falta pessoal.

Embora se esforce para fazer do futebol americano um jogo objetivo, a NFL parece mais refém do que nunca da subjetividade dos apitadores. E a situação só piorou com a catastrófica decisão de permitir que os técnicos desafiassem as interferências, o que escancarou ao mundo a total falta de critério da liga.

Desafios de interferência no passe: por que existem se nunca dão certo?

A possibilidade de revisar a ocorrência ou não de interferência no passe surgiu como resposta ao grave erro de arbitragem contra os Saints na prorrogação da última final da NFC, erro que provavelmente custou à franquia um lugar no Super Bowl.

Você pode ser contra ou favor a esse tipo de desafio – eu particularmente sou contra, pois acredito que revisões eletrônicas devam ser destinadas exclusivamente a lances objetivos e não subjetivos, por exemplo, olhar se a bola cruzou o plano de goal é algo totalmente objetivo. Para mim, não faz sentido o árbitro rever em câmera lenta uma jogada interpretativa analisada na velocidade normal de jogo, mesmo que eu discorde do que ele interpretou. Quem é favor, por outro lado, considera que a chance de desafiar é um instrumento capaz de minimizar eventuais injustiças – uma opinião válida.

A única coisa com que não dá para concordar é como os desafios são hoje em dia. É praticamente um ritual: os técnicos jogam a flanela vermelha, os árbitros vão ao monitor, existem evidências para reverter a marcação, os juízes as ignoram, o time perde um timeout à toa e todo mundo que está assistindo à partida fica pensando “Meu Deus, como é que não mudaram essa chamada?”.

Tudo bem, eu sou contra a existência do desafio, mas já que ele existe então porque não o usar para reverter lances em que não há a menor dúvida sobre o erro na marcação de campo? A implementação do recurso e a sua consequente má utilização foi um grande tiro no pé dado pela NFL, pois expôs ainda mais a arbitragem ao expandir o leque da subjetividade. Agora, além de não sabermos mais o que é uma interferência no passe, discutimos também se houve ou não evidências claras em vídeo para mudar a marcação, o que leva a um novo questionamento: o que é uma evidência clara em vídeo?

Fazendo outra vez um paralelo com o futebol, é exatamente o que ocorre com o mau uso do VAR no Brasil. Ao acompanhar um juiz ir ao monitor e não mudar uma marcação obviamente errada – ou pior, mudar uma marcação certa feita dentro de campo -, nós sentimos que ele está insultando à nossa inteligência. A sensação é mesma ao ver, na quinta-feira passada, o árbitro de New York Giants e New England Patriots não marcar uma interferência de passe mais do que óbvia do defensor de New England em cima de Golden Tate.

Há solução para a crise de arbitragem?

Muita gente defende que o caminho para melhorar a arbitragem da NFL seja transformá-la em uma profissão em tempo integral. Talvez você não saiba, mas as zebras não vivem só de futebol americano, possuindo empregos “normais” no restante do ano – embora o salário médio oferecido pela liga a um árbitro principal seja de 200.000 dólares por temporada.

Obrigar os juízes a se dedicarem 12 meses por ano ao esporte – obviamente aumentando os seus salários, pois isso seria o justo -, a focar na preparação e estudo mesmo quando o campeonato não estiver acontecendo pode ser um começo e certamente ajudaria. Contudo, a liga parece ter um problema estrutural nas mãos. Sem querer ser repetitivo, mas já sendo, o maior obstáculo é a falta de transparência e a dificuldade em estabelecer critérios mais consistentes.

Em primeiro lugar, a liga talvez devesse pensar em simplificar o livro de regras do jogo, tornando-o menos ambíguo e confuso. Por exemplo, houve um problema no manejo do relógio durante o confronto entre Saints e Texans, fazendo com que 10 segundos fossem comidos de maneira errada no minuto final da primeira etapa. Segundo o ex-árbitro John Parry, tal problema é abordado em quatro lugares diferentes no livro de regras, inclusive de maneiras distintas. E esse é só o exemplo isolado, imagine o tanto de ambiguidades que não existem nas dezenas de páginas do regulamento.

Outro ponto é a NFL lidar melhor com a subjetividade inerente ao esporte. Ela foi bem-sucedida em definir o que é ou não uma recepção válida, tanto que hoje em dia quase não se discute mais o assunto e polêmicas como as de Dez Bryant e Calvin Johnson ficaram no passado. É hora de fazer o mesmo com interferências no passe, violência desnecessária no quarterback etc, informando claramente o público sobre as orientações dadas aos árbitros e cobrando destes que mantenham coerência em suas marcações. Não ser pego de surpresa com decisões diferentes a cada semana e entender o que está acontecendo já melhoria bastante o humor dos fãs.

Nada disso extinguirá os erros, mas certamente abrandaria o desgaste das zebras junto à opinião pública, resgataria um pouco da credibilidade da própria NFL e, mais importante ainda, diminuiria a interferência no resultado das partidas. Ademais, iria nos permitir não ter que escrever um texto de quase 2000 palavras sobre arbitragem.

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