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O futuro dos técnicos nessa NFL de explosão ofensiva

[dropcap size=big]Q[/dropcap]uando dois times anotam mais de 50 pontos na mesma partida, especialmente em horário nobre, você pode ter certeza que o impacto reverberará semanas após o acontecimento. Mais do que isso: a força do que vimos no lendário Kansas City Chiefs e Los Angeles Rams é tão grande que certamente os efeitos serão vistos e sentidos por anos.

Ofereço aqui, portanto, alguns pensamentos e reflexões acerca do que a explosão de 105 pontos no Monday Night Football do dia 19 de novembro de 2018 significa para o presente e o futuro próximo dos técnicos e para as decisões das franquias na tentativa de se equipar ao fenômeno ofensivo que testemunhamos. Dessa forma, o aspecto tático, inclusive já feito com excelência pelo querido Deivis Chiodini, não será o tema principal; a parte histórica de como o duelo é a culminância de décadas de evolução do esporte, também já feita de maneira espetacular por Antony Curti, apenas permeará a discussão.

O questionamento que o presente texto traz é bastante simples: vendo a evolução ofensiva das equipes, o que as franquias precisam fazer em termos de contratações para acompanhar essa veloz adaptação?


Primeiramente, o que Los Angeles Rams e Kansas City Chiefs protagonizaram está longe de ser o padrão da NFL. E, pelos próximos anos, não o será. A partida entre dois times 9-1, com quarterbacks jovens e digníssimos de acenos para o prêmio de MVP, de duas equipes que se enfrentam apenas uma vez a cada quatro anos foi a tempestade perfeita; a oportunidade de ouro para vislumbrarmos o caminho traçado para o futuro próximo do futebol americano profissional.

De um lado, temos Sean McVay, um head coach no seu segundo ano no comando de uma franquia que, em 2016, recém-chegada em Los Angeles, parecia condenada: um terrível ano de calouro de Jared Goff, o comando pífio de Jeff Fisher e um ano pouco explosivo de quem incediou a NFL em 2015, o running back Todd Gurley.

A contratação de McVay, antes da temporada de 2017, me parece cada vez mais como a faísca que deu (e dará, como falarei mais adiante) início às mudanças de abordagem nas contratações de técnicos e coordenadores. Às vésperas de completar 31 anos, o então coordenador ofensivo do Washington Redskins aceitou o desafio de mudar a cara de um time que precisava desesperadamente de uma identidade ofensiva. Quase dois anos depois, cá estamos: 11 vitórias e 5 derrotas em 2017, líder em pontos marcados na NFL; 10 vitórias e uma derrota em 2018, terceiro lugar em pontos anotados e segundo em jardas.

Sean McVay é a consolidação da frase de Arrigo Sacchi, técnico lendário do Milan: “eu nunca entendi que para ser um jóquei, você precisa ter sido um cavalo antes”. Apesar do histórico de quarterbackdefensive back nos tempos de colégio e as 39 recepções como wide receiver pela Universidade de Miami (a de Oxford, Ohio), McVay é um técnico essencialmente formado fora de campo.

Desde seus 22 anos, como assistente de técnicos de wide receiver no Tampa Bay Buccaneers, McVay aos poucos moldou sua visão ofensiva: convivendo com Jon Gruden, Mike Shanahan, Kyle Shanahan e Jay Gruden, quando chamado para implementar aquilo que por anos viu e desenvolveu, McVay foi uma injeção de frescor na NFL.


Do outro lado, um técnico que é o contrário de uma “novidade do momento” nos quadros da NFL: Andy Reid. Me reservo o direito de não escrever o vastíssimo currículo do head coach do Kansas City Chiefs, mas preciso dizer que o brilhantismo ofensivo de Reid vai além do próprio técnico; são sete head coaches na NFL, em 2018, que vieram da  sua “árvore” de treinadores, incluindo o atual campeão do Super Bowl, Doug Pederson, e o estreante Matt Nagy, que faz um trabalho formidável nos líderes da NFC North Chicago Bears.

O grande trunfo de Andy Reid é nunca ter fechado a mente para conceitos estranhos ou exóticos dentro do referencial do “técnico padrão da NFL”. Há, inclusive, conversas de bastidores sobre os anos de Reid em Green Bay, quando trabalhou em diversas funções ofensivas sob Mike Holmgren: às vezes Andy Reid, ou outro técnico, trazia algum conceito diferente para o head coach, que respondia:

“Legal, quando você tiver o seu time, você chama essa jogada.”

Se algum conceito pode gerar um mismatch favorável para seu ataque, Reid adota e adapta. Mesmo sendo um head coach na NFL desde 1999, o período de Reid como comandante do Kansas City Chiefs é marcado por inovação, por uma tradução de conceitos de College que eram até tratados de maneira pejorativa como impossíveis de implementar na NFL, como Deivis Chiodini perfeitamente colocou na sua análise tática.

Ainda assim, cá estamos, em 2018, vendo a consolidação da spread offense, do uso de motions como peça crucial em municiar seu quarterbacks com informações sobre a cobertura, design de screens cada vez mais diversos e a formação shotgun como paradigma. Tudo isso já estava germinando no Missouri, e com Mahomes, a magnum opus de Andy Reid está em exibição.


[dropcap size=big]E[/dropcap]sse (gigantesco) devaneio acerca dos dois head coaches mostra o quão excepcionais os dois comandantes são para suas respectivas equipes. São pontos fora da curva, mas ambos trazem uma evidência inegável: eles estão dispostos a abraçar o que há de novo, o que não se faz na NFL, mas que é eficiente em outros níveis de futebol americano.

Andy Reid é um fenômeno em desenhar screens e deixar que seus playmakers encontrem espaços e façam as big plays. O uso de jet sweepsend aroundsreversals é feito de uma forma extremamente criativa e diversa, que jamais entrega nas mãos da defesa uma forma óbvia de pará-lo.

Conversando com Deivis Chiodini, ele coloca brilhantemente: “Reid nunca jogou com medo, com o freio de mão puxado. Para Reid, marcar pontos e ser explosivo é uma tônica e ele continua buscando isso. Se cerca de mentes modernas (como tinha com Matt Nagy) e é aberto a novas ideias. Basta ver como ele colocava Alex Smith em triple option, com running back e shovel pro tight end. Tente falar isso pra um Tom Coughlin, da mesma geração. A cabeça de Reid continua a mesma de quando ele começou na NFL em agressividade e ele seguiu a evolução da liga ofensivamente.”

Sean McVay consegue fazer absolutamente tudo a partir do seu 11 personnel, com três wide receivers, um running back e um tight end. O posicionamento dessas peças no tabuleiro permite que Goff ataque as defesas em leituras fáceis – fáceis pela munição que McVay dá ao seu quarterback apenas pelo posicionamento dos jogadores em cada formação. Na hora do jogo terrestre, é uma mera questão de números; ao espalhar os recebedores, menos homens ficam no box, evitando, efetivamente, que o camisa 30 tenha que enfrentar oito bloqueadores colados à linha de scrimmage.


Acontece que a NFL é uma liga de cópias. Se algo dá certo em algum lugar, franquias tentarão replicar tal sucesso tomando decisões similares. Lembremos do caso do read option, que teve uma baita explosão em 2012 com os calouros Russell Wilson e Robert Griffin III: no ano seguinte, todos os playbooks implementaram uma certa variação do conceito, moldada ao seu próprio quarterback.

Sendo assim, não podemos esperar nada além de uma guinada na direção do que é “novo”; do que é um refresco em relação às (já quase) vetustas noções de um esquema pro. Veremos, certamente, general managers e equipes dispostas a trazer talentos com novas ideias dos mais diversos rincões do futebol americano, técnicos e coordenadores imaginativos, dentro da lógica de futebol americano que Sean McVay foi moldado (e que Andy Reid abraçou) e que tão brilhantemente apresentam no mais alto nível a cada domingo.

Quando mencionei lá atrás que Sean McVay foi a faísca que deu (e dará) início a um novo pensamento em termos de contratações, é justamente por ser um jovem técnico, com um entendimento profundo do jogo e conceitos que tiveram um impacto significativo na NFL logo de cara.

Com a consolidação do spread offense no nível profissional, o gapa diferença entre o que é executado nos níveis profissional, universitário e até mesmo high school, nunca foi tão pequeno.


[dropcap size=big]P[/dropcap]or isso, devemos testemunhar uma série de contratações de nomes relativamente desconhecidos para o público que acompanha a NFL em geral. Nomes que obtiveram sucesso ofensivo no nível universitário deverão ocupar posições em franquias profissionais, seja como head coach, seja como coordenador ofensivo. Apenas para citar um exemplo que tem sido debatido diariamente, Lincoln Riley é o caso perfeito: 35 anos, comandou o explosivo ataque com Baker Mayfield em Oklahoma e, mesmo sem seu antigo quarterback, comanda uma equipe com média de 583.3 jardas por partida, e que já anotou 77 touchdowns em 2018.

Algumas dessas contratações serão acertos; impossível precisar quais, enquanto outras se tornarão erros crassos que serão lembrados por anos. Só que, por mais que essa seja a direção que a NFL esteja demonstrando, precisamos lembrar que nada é abrupto no futebol americano profissional.

Vemos o sucesso recente de head coaches com mentalidades ofensivas. Há poucos podcasts atrás, discuti com Antony Curti sobre como contratar técnicos voltados para os ataques pode ser um farol, um norte para franquias que buscam o tipo de sucesso que a NFL moderna exige. Isso vem, naturalmente, em detrimento de nomes historicamente defensivos.

Há um burburinho sobre como um head coach com uma trajetória de comando nas defesas é, nessa NFL de 54 a 51, um atraso, ou um erro – por melhor ofensivamente que seja o time, o técnico principal ficaria refém de seu coordenador ofensivo, caso ele saia para alçar novos vôos.

Acontece que ser um head coach vai além de trazer boas ideias e executar um brilhante plano de jogo ofensivo. Como colocou Jack Del Rio em seu Twitter recentemente, o cargo traz um papel de liderança, de administração: “Você definitivamente precisa anotar pontos, e as mudanças de regras favorecem os ataques, mas coloquem o pé no freio na queda definitiva dos técnicos com mentalidade defensiva. Nick Saban e Bill Belichick são discutivelmente os dois melhores em seus níveis respectivos. Head coaches são CEOs e líderes, e não apenas coordenadores com boas ideias”, disse o ex-técnico do Oakland Raiders e do Jacksonville Jaguars.

Quando menciono que algumas contratações serão erros, é justamente pelo aspecto do vestiário, do dia-a-dia, da gestão de jogadores. Pode ser que algum coordenador ofensivo brilhante no College se torne head coach na NFL apenas para ser amassado pela pressão, pela dificuldade em administrar interesses dos donos, do general managers e dos jogadores, além de precisar executar um plano de jogo à perfeição, todo domingo. É um trabalho hercúleo, e é absolutamente natural que alguns nomes, brilhantes dentro do seu escopo, não sejam capazes de dar este salto.

Vale lembrar, ainda, que a NFL ainda é composta por diversos técnicos que amam a velha guarda. Técnicos que insistem em colocar seus running backs para correr no gap A com oito homens no box, para tentar, quem sabe, conquistar duas jardas. Não precisamos ir longe; as declarações de Jon Gruden antes da temporada, querendo reposicionar seu time nas tendências de 1998, ou as propostas de exotic smashmouth que Mike Mularkey tentou implementar em Tennessee no ano passado, que fracassou e desaguou na sua demissão.

O processo de mudança é inevitável, mas ele não se dará até 2019, ou 2020. Serão anos de adaptação para os que já estão inseridos há tantas décadas dentro da lógica do futebol americano tradicional, que ainda lutam com novos conceitos não por má-vontade, mas por terem sido geridos como técnico dentro daquela lógica.

Também haverá, certamente, uma grande rejeição às novas mentes, por instinto: o trabalho no nível profissional do futebol americano (e em diversos setores, naturalmente) é muito pautado em confiança, em um histórico particular. Vemos o caso Hue Jackson, demitido do Cleveland Browns e logo contratado pelo Cincinnati Bengals, franquia na qual gozou de sucesso sob o head coach Marvin Lewis. A contratação não se deu pelo brilho de Jackson no norte de Ohio, mas pelo histórico dos treinadores e do técnico na franquia. A construção de laços com esses “portadores de novas ideias”, digamos assim, precisará de tempo.

No fim das contas, estamos ingressando na nova era do futebol americano profissional. Uma era que abraça as novidades ofensivas, na qual as defesas ainda precisam encontram respostas para frear os ímpetos ofensivos e redefinir suas funções na contemporaneidade. A NFL viu isso explodir nas casas de milhões de americanos e fãs do esporte ao redor do mundo no Monday Night Football da Semana 11, e já começa a enxergar qual caminho a ser traçado.

Entramos numa era de experimentos, de abraçar o que era rejeitado para mergulhar de vez numa nova era ofensiva do futebol americano profissional.

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