Por si só, o San Francisco 49ers ter a melhor campanha da NFL (10-1) a cinco semanas do fim da temporada regular, empatado com o New England Patriots, já seria surpreendente o suficiente, considerando o péssimo ano de 2018 da franquia. Agora, a grande força desse time ser a defesa e não o ataque do badalado Kyle Shanahan, bom, aí já é algo quase inimaginável. Se você apostasse nisso lá em julho ou agosto as pessoas com certeza ririam da sua cara – e elas provavelmente teriam razão.
San Francisco teve uma defesa absolutamente medíocre em 2018. Na verdade, em alguns aspectos foi bem pior do que medíocre, haja vista ela ter estabelecido o recorde histórico de menos turnovers forçados em uma única temporada (7). Em 2019, por outro lado, a unidade atingiu a excelência e hoje figura no top 5 em praticamente qualquer métrica defensiva: jardas totais, pontos por partida, passe, sacks, turnovers forçados etc. – uma das poucas exceções é jogo terrestre. Só não é indiscutivelmente a melhor da NFL porque a defesa dos Patriots também vem tendo um ano excepcional.
Uma das coisas que mais chamam a atenção em relação à essa fabulosa defesa dos 49ers é a maneira como ela foi construída. Formada prioritariamente por jogadores draftados, ela foi o resultado de anos e mais anos de bons recrutamentos defensivos, até que todas as peças se encaixassem em 2019 sob o comando do coordenador Robert Saleh. Foi um longo e demorado processo iniciado em 2015, logo após o fim da era Jim Harbaugh.
Investimento alto na linha defensiva…
Nove dos 11 titulares da formação defensiva base de San Francisco foram escolhidos no Draft pela franquia – a saber, as exceções são Dee Ford, adquirido em uma troca com o Kansas City Chiefs na última intertemporada, e Richard Sherman, contratação de free agency há dois anos. Seriam oito se Kwon Alexander não tivesse se machucado, mas ainda assim é um número impressionante – é quase a versão futebol americano do Barcelona de Pep Guardiola, time famoso pelo predomínio de atletas formados nas categorias de base do próprio clube.
Tudo começou nas trincheiras: ao todo, os 49ers têm cinco escolhas de primeira rodada na sua linha defensiva – incluindo Dee Ford, uma seleção de primeiro dia original dos Chiefs.
A equipe da Califórnia vem de algumas temporadas muito ruins, o que a deixou no top 10 do recrutamento seguidamente nos últimos quatro anos. Tais picks se transformaram em DeForest Buckner (7ª escolha geral de 2016), Solomon Thomas (3ª escolha de 2017) e Nick Bosa (2ª escolha de 2019). Antes, em 2015, o selecionado foi Arik Armstead (17ª escolha), outro defensive lineman. Ou seja, quatro jogadores de linha defensiva na primeira rodada dos últimos cinco Drafts – a única exceção foi o ano de 2018, quando o offensive tackle Mike McGlinchey acabou draftado na 9ª posição.
Completando a lista de titulares, temos D.J. Jones – uma escolha de 6ª rodada em 2017. Todo esse pessoal vem sendo a base para o sucesso do time; mesmo Solomon Thomas, que nunca atingiu seu pleno potencial como pass rusher selecionado no top 5, tem contribuído como defensive lineman rotacional. Já Buckner e Bosa, os grandes destaques individuais da defesa junto de Ford, estão entre os melhores em suas respectivas posições. Você não vai achar muitos iDL mais dominantes do que Buckner, assim como não vai encontrar ninguém à frente de Bosa, um apressador de passe nato, na corrida pelo prêmio de calouro defensivo do ano.
… e competência encontrando soluções para o resto da defesa
Se a linha defensiva foi alvo de investimentos gigantes no Draft, o mesmo não pode ser dito em relação ao resto da defesa. Ainda assim, sobram talento e contribuição dos jovens escolhidos no recrutamento.
Reuben Foster foi a única pick de primeira rodada gasta com um linebacker pelos 49ers nos últimos tempos. Isso foi em 2017 e Foster nem está mais com o time, após inúmeros problemas extracampo. Hoje, o miolo da defesa é preenchido na maior parte do tempo por Fred Warner, Dre Greenlaw e Azeez Al-Shaair – os dois últimos são calouros, sendo Greenlaw uma seleção de 5ª rodada e Al-Shaair um não-draftado. Apenas Warner foi uma escolha relativamente alta, mas ainda assim saiu apenas na 3ª rodada de 2018. Nada mal por um dos linebackers mais produtivos e playmaker da atualidade, não é?
Pensando na secundária, temos os safeties Jimmie Ward, o único remanescente da era Harbaugh (1ª rodada de 2014), e Jaquiski Tartt (2ª de 2015). Já na posição de cornerback, além dos forasteiros Richard Sherman e K’Wuan Williams, há que se destacar as contribuições das “pratas da casa” Ahkello Whitherspoon (3ª rodada de 2017) e Emmanuel Moseley (não-draftado em 2018).
49ers têm tudo para ser a próxima dinastia defensiva da NFL
A última unidade defensiva tão jovem, talentosa e montada quase que exclusivamente via Draft foi a “Legion of Boom” do Seattle Seahawks. No caso de Seattle a principal qualidade era a secundária, ao contrário dos 49ers – que se apoiam na força das trincheiras e no pass rush -, contudo são muitas as semelhanças na forma de montagem do elenco. Os rivais da NFC West, por exemplo, também contaram com a contribuição de muitas escolhas baixas do Draft, como o próprio Richard Sherman.
Os Seahawks tiveram uma defesa absolutamente de elite por quatro temporadas, entre 2012 e 2015, até que houvesse perda significativas de jogadores e um enfraquecimento natural da equipe. Com um núcleo tão jovem e quase todo ainda no contrato de calouro, San Francisco tem as cartas na mão para construir uma dinastia similar.
De todos os draftados citados neste texto, apenas Arik Armstead e Jimmie Ward serão agentes livres em 2020. Buckner, Whiterspoon, e Tartt, por sua vez, atingirão o mercado em 2021 – o iDL deve ser a prioridade de renovação no momento. Ficar com todo mundo será difícil, mas se a franquia conseguir manter uns dois ou três desses nomes e renovar o elenco com mais boas escolhas no Draft, a qualidade do plantel defensivo estará encaminhada em curto e médio prazo.






