Quarterbacks: Tony Romo, a Cinderella

Em nossa nova série sobre grandes quarterbacks já aposentados, falamos hoje sobre um dos melhores QBs não draftados da liga, Tony Romo. Bravo, Romo não desistiu em meio a várias adversidades, jogando com dor em vários jogos. Aposentado, transformou-se num dos melhores analistas da história do jogo

“Quarterbacks” é uma série especial de Antony Curti para o ProFootball, contando a história dos principais quarterbacks da história da NFL. 

Tony Romo deu certo? Difícil responder a essa pergunta, porque a valoração em nossa sociedade costuma ser binária para figuras esportivas. Se não foi medalista de ouro ou campeão com um troféu na mão, não deu certo. Mas considerando as expectativas que foram criadas, os obstáculos que foram ultrapassados.

Romo não foi draftado em 2003. Há de se dizer que junto de Kurt Warner e Warren Moon, estão entre os três melhores quarterbacks que não ouviram seu nome ser chamado por time algum. Ao contrário de Warner, porém, a história de Cinderella não foi potencializada ao extremo. O que não quer dizer que não seja uma grande história. Uma história até melhor do que a da Cinderella, diga-se. No final do texto você vai entender o por quê.

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Sem ofertas de grandes escolas da primeira divisão do College Football, restou a Tony Romo jogar na pequena grande Eastern Illinois, um dos pontos de inflexão do universo do futebol americano universitário. De tempos em tempos, essa universidade cospe um nome bizarramente bom para o mundo. Sean Payton e Mike Shanahan estão entre dois de seus ilustres alunos. 

Ambos competiram por Romo. Tendo um carinho a mais pela escola, olharam o que a maioria não olhou. Tony Romo foi eleito o melhor jogador da segunda divisão – e mesmo assim só foi chamado aos 45 minutos do segundo tempo para o Combine e tão somente como “braço extra”. Entre Shanahan nos Broncos e Payton nos Cowboys, o não draftado ficou com o segundo. Claro que a competência ficou marcada, mas a sorte também apareceu na medida em que Quincy Carter foi cortado depois de alegações de doping. Romo seria reserva em Dallas por três temporadas. Quando Payton foi para os Saints, antes de New Orleans contar com Drew Brees, tentou levar seu companheiro de Eastern Illinois com ele – Jerry Jones não topou o negócio, um dos melhores que ele faria por algum tempo.

Desde a aposentadoria de Troy Aikman o Dallas Cowboys vagava à procura de um bom quarterback para chamar de seu. Tentou, tentou e nada de bom aparecia. Ao final da carreira de Drew Bledsoe, considerando as ligações deste com Bill Parcells, veio uma tentativa que parecia certa mas que acabou sendo mais um tiro n´água. Em meio a atuações ruins de Bledose, Parcells decidiu colocar Romo em campo como titular em meados da temporada de 2006. Até sua lesão derradeira dez anos depois, esse seria seu rótulo: detentor de uma das profissões mais difíceis do mundo, a de quarterback titular do Dallas Cowboys. 

Com Romo, o time partiu rumo à pós-temporada e conseguiu arrancar uma vaga no Wild Card da NFC. Fora de casa, veio a primeira pedra no coração, com Romo ainda atuando como holder do time em situações de field goal. Com os Cowboys um ponto atrás no placar e pouco mais de um minuto faltando, a tentativa da vitória viria a 19 jardas do paraíso. Ao receber o snap, Romo soltou a bola. Sem condições de haver um chute, ele viu o relógio bater meia-noite naquela temporada mas tentou arrancar algo dali – em vão. Correndo com posse da bola, foi tackleado na linha de 2 jardas e os Cowboys foram eliminados. 

A imagem de Romo, com as mãos segurando o capacete por dentro, deitado no chão, ficou icônica como a de um coração quebrado. Haveria de ser uma motivação para a temporada seguinte, na qual Tony Romo entrava como um bom nome na posição e os Cowboys como competidores. Dallas terminaria 2007 com 13-3 de campamha. Ruiria na Semifinal da Conferência Nacional em partida contra os eventuais campeões, New York Giants. Decepções em pós-temporada, não passemos pano, marcaram muitas vezes a carreira de Romo. No ano seguinte, a derrota por 44 a 6 contra os Eagles ficou marcada junto dos três turnovers do camisa 9. Em 2009, nova decepção contra Brett Favre e os Vikings num jogo em que Romo sofreu três fumbles e seis sacks. Foram mais sacks que pontos para Dallas naquela Semifinal de NFC: apenas três no placar. 

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Depois de algumas temporadas sem ir muito longe e com o Dallas Cowboys virando sinônimo de 8-8, 2014 parecia uma luz no fianl do túnel. O time finalmente parecia engrenar e a dupla formada por Romo e Dez Bryant era uma das mais interessantes da liga. Romo liderou a NFL em porcentagem de passes completos e não porque era um ataque conservador: aos 34 anos, estava soltando o braço e também liderou a liga em jardas por tentativa, com 8,5. Com 34 TDs e apenas 9 interceptações, ajudou a conduzir Dallas ao título da NFC. 

Nos Playoffs, uma vitória mais sofrida do que deveria contra Detroit na primeira rodada – virada, dado que os Cowboys chegaram a estar atrás no placar por 17-7. E, então, veio de novo a maldita Semifinal de Conferência pela frente. Teto do Dallas Cowboys desde 1995. 

Do outro lado, o Green Bay Packers de Aaron Rodgers, que tivera a mesma campanha na temporada mas ficara na frente no chaveamento por ter tido campanha melhor contra os adversários da Conferência Nacional. Um jogo mais tímido de Romo em estatísticas, mas que podia ter resultado diferente. 

Faltando 9 minutos no último quarto, Green Bay vencia por 26 a 21. Os Cowboys foram marchando no campo, indo ao território dos Packers. Com tempo no pocket, Romo quase converte uma terceira para 11 nas mãos de Cole Beasley. Vem a quarta descida para duas. 5 minutos restavam no cronômetro e a tensão pairava no Lambeau Field. 

Romo recebe o snap, vem a blitz. Imediatamente, ele vai fundo em sua bola de segurança, à esquerda. Dez Bryant era o alvo. Em posse da bola, ele vai em contato ao solo. Com Bryant tentando buscar a end zone, a bola escapa e sua posse não sobrevive. Jogadores dos Packers ficam confusos, imaginando que talvez não fora touchdown mas que a bola seria colocada na linha de uma jarda. 

Para o desespero do torcedor dos Cowboys, a marcação após o desafio de Green Bay foi de passe incompleto pelo fato da bola ter mexido e escapado um pouco quando Dez buscava o touchdown. Era a regra da época. Hoje, teria sido recepção válida. Ontem, foi a eliminação de Dallas. 

Aquele foi o apogeu para Bryant e também para Tony Romo. Caso o touchdown viesse, os Cowboys teriam virado a partida – embora fosse difícil cravar uma classificação, dado que havia Aaron Rodgers do outro lado. De toda forma, é a cicatriz que ficou de maneira definitiva. 

Romo machucaria sua clavícula na temporada seguinte, a última “na prática” com o posto de titular dos Cowboys. Antes mesmo da temporada de 2016, ele teve uma lesão na vértebra e o relatório médico indicaria que seriam dez semanas fora. Nesse período, o calouro Dak Prescott, escolha de quarta rodada, brilhou. Foi nomeado titular mesmo com o camisa 9 saudável. Romo entrou em campo apenas na última partida da temporada, quando nada mais estava em jogo. A partida contra os Eagles seria a última de sua carreira. 

Ao ser subestimado por muitos, um jovem Tony Romo dava entrevista para apenas dois repórteres curiosos no NFL Combine de 2003. “Sinto que sou um cara que só vai subir de cotação, tenho muita confiança. Sinto que vou mostrar a muita gente que pertenço [à NFL] e que posso jogar melhor do que muitos desses caras”, disse Romo a Rick Gosselin, repórter do Dallas Morning News[foot]https://www.dallasnews.com/sports/cowboys/2018/02/25/flashback-the-question-tony-romo-was-asked-at-2003-combine-that-sent-him-into-full-throttle-swagger-mode/[/foot]. Na época, pareciam palavras ao vento. No fundo, foram verdade. 

Podia não ser o mais performático, mas por vezes e vezes jogou com dor e esperava até o último momento para passar a bola, mesmo que segundos depois fosse ao chão. Preciso em passes curtos e de média distância, Romo veio do nada rumo ao posto de quarterback da maior torcida dos Estados Unidos. 

Há de se dizer que, para mim, o produto de Eastern Illinois foi um quarterback melhor do que todas as outras escolhas da posição naquele Draft de 2003. Carson Palmer, Byron Leftwich, Rex Grossman, Seneca Wallace, Kliff Kingsbury (não, não escrevi errado): ele foi melhor do que todos eles. Embora o anel não tenha vindo por desfortúneo, lesões e outras coisas que não estavam sob seu controle, Romo ainda é o detentor de recordes de Dallas – quebrando marcas de Roger Staubach e Troy Aikman, os quarterbacks dos Cowboys que venceram Super Bowls. 

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Ao contrário da Cinderella que vê sua carroagem virar abóbora quando deu meia-noite, a parte mais maluca e interessante da história de Romo é que nas vezes em que os dois ponteiros do relógio bateram no 12 ele caiu para cima. Não foi draftado, mas caiu no melhor lugar possível para se desenvolver, com Sean Payton. Sua carreira foi abreviada por lesões e atrapalhada por decisões controvérsias de arbitragem, um erro segurando a bola para o field goal e conexos. 

Meia-noite é o ponto que mais há escuridão no céu. Para Romo, sempre que deu meia-noite, seu nome brilhou mais. Após sua aposentadoria da NFL, tornou-se comentarista na CBS e discutivelmente já está entre os melhores da história na profissão. Para além de uma quase clarividência ao adivinhar a jogada baseando-se apenas nas tendências dos times, pacotes ofensivos e descida/distância – algo quase impossível de prever a olhos não treinados – Romo demonstra todos os domingos um profundo amor pelo jogo. 

Foi esse amor que fez com que ele ultrapassasse barreiras sempre que elas surgiram, jogasse com dor em várias partidas e é esse amor que pode não ter feito ele um campeão de Super Bowl – mas um quarterback que o torcedor dos Cowboys lembra com carinho. A vida não é totalmente previsível e não sabemos os caminhos que ela traz. Romo é a prova viva disso. Ele um dia deve ter sonhado ser o melhor quarterback de todos. Acordou como o melhor de todos a analisar taticamente uma partida ao vivo. Sim, Tony Romo deu certo. Ainda está dando bastante certo aliás.

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