
Algumas franquias na NFL possuem o que eu chamo carinhosamente de autossabotagem crônica. Mesmo que consiga bons jogadores e torne o cenário mais animador no seu futuro, parece que existe sempre algum desvio no percurso e o time termina repetindo os mesmos ciclos ruins. É como ter um assento cativo no barco de Caronte, cujo o próprio vai te receber com um sorrisão gigante – e prontinho para te levar de volta ao inferno, óbvio. Exemplos disso não faltam: Bears, Jets, Raiders, Lions pré-Dan Campbell… E o Jacksonville Jaguars.
Após tudo dar errado (de novo) em 2024, os Jaguars recomeçam do zero novamente. A missão de Liam Coen e companhia vai muito além de resgatar a moral do elenco e reconstruir o time. Ela também consiste em tentar fugir de um ciclo quase infinito de projetos fracassados, principalmente nesta década atual. Em outras palavras, tentar curar a tal autossabotagem crônica.
O objetivo deste texto é encontrar motivos para se animar com os Jaguars. Embora seja difícil de acreditar, há jogadores com o potencial de mudar a realidade atual. Portanto, convido você a embarcar nesta jornada e combater a minha própria desconfiança eterna em relação a esta franquia. Ou reforçar de vez. Enfim, vamos ao que interessa.
My Little Pony no purgatório defensivo
Jacksonville não teve uma escolha top-5 no último Draft à toa. A situação do ataque chamou mais atenção, porém o problema real da equipe esteve do outro lado. A defesa do Jacksonville Jaguars não foi péssima em 2024, foi abominável. 27° em pontos cedidos, 23° contra a corrida e 32° contra o passe. É isso mesmo que você leu: a PIOR defesa contra o passe da NFL, sendo pior até do que a defesa dos Panthers – que não conseguia pressionar nem vento. Pois é.
Embora o pass rush tenha jogado mal (também) ano passado, ainda tem bons jogadores como Travon Walker e, claro, Josh Hines-Allen. O grande problema do lado defensivo foi na secundária. Para além das estatísticas horríveis acima, vou destacar duas diferentes. Os Jaguars foram a 2° secundária que mais jogou em cover-2. Além disso, foram a 3° que mais jogou em cover-1 na liga, atrás apenas de Chiefs e Lions. Ou seja, quando eles não estavam jogando em cover-2, eles estavam jogando na cobertura mano a mano.
Só que o X da questão mora justo aqui. Para jogar em man coverage, você precisa ter bons corners e safeties. Não só isso: precisa também mostrar versatilidade e jogar bem em outras formações. Em 2024, a secundária dos Jaguars não fez nada disso. Ela foi a 20° em cover-4 – a famosa quarters – e a última (!!) em cover-3. E no que ela deveria fazer bem, ela fez muito mal. Não adianta ter Tyson Campbell e um promissor Jarrian Jones se o resto da sua unidade é uma peneira furada. Cedo ou tarde, as coisas vão dar muito errado. Infelizmente, foi isso que aconteceu ano passado.
É por isso que a chegada de Travis Hunter se torna tão vital para a unidade. Um playmaker nato, Hunter consegue executar muito bem em qualquer formação que você o coloque. Ele já vem ganhando snaps como cornerback nos training camps, mas é preciso segurar a empolgação. O que parece lindo nos treinos pode virar poeira no primeiro snap da semana 1. Resumindo: não será do dia para a noite que a defesa dos Jaguars vai se transformar em Ponyville. Mas pode ser.
DUUVAAAL (ouça com a voz do Liam Coen)
A esta altura do campeonato, todos nós sabemos que Liam Coen está jurado no Morro do Pirata. Afinal, o jeito esquisito que ele saiu dos Buccaneers para virar head coach faz com que a gente – ou pelo menos eu – ficasse do lado de Todd Bowles e Jason Licht. No entanto, nada disso importa quando falamos do momento atual. Ou melhor: do potencial que o ataque pode atingir sob o seu comando.
Em 2024, Coen foi a mente de um dos ataques mais diversificados e criativos da liga, especialmente no jogo terrestre. Bucky Irving explodiu no backfield de Tampa, o que contribuiu para que o time fosse o 2° melhor da NFL em EPA por corrida. Em comparação, o time foi o 3° pior em 2023 nesta estatística. Correr com a bola é um predicado do sistema de Coen. Para a sua sorte, ele tem peças ótimas para replicar isso em Jacksonville.
Apesar de toda a modorrência e marasmo no ano passado, os Jaguars encontraram dois diamantes no lado ofensivo. Um deles é Tank Bigsby. O então segundanista estourou a partir da semana 5, tomando conta do backfield. Apesar de Travis Etienne ter a badalação (superestimada, inclusive), quem carregou o piano mesmo foi Bigsby. Sob a batuta de Liam Coen, é bastante possível imaginar um cenário onde o running back passe das 1000 jardas corridas em 2025.
Por falar em 1000 jardas, outro que tem o potencial para atingir isso é Brian Thomas Jr. Mesmo subutilizado de maneira criminal pelo sistema de Doug Pederson, o wide receiver teve uma temporada de calouro sensacional. Ele foi o calouro com mais jardas recebidas (1282) e touchdowns também, com 10. Agora com Travis Hunter, que deve ter seus snaps como recebedor, como um possível WR2, ele deve se consolidar ainda mais como o principal alvo de Trevor Lawrence. Se nós vimos uma estrela nascer naquele lamaçal do ano passado, 2025 pode ser o ano de consolidação de Brian Thomas Jr.
I’ve been looking at you so long, now I only see me
Quando Doug Pederson foi demitido, lembro de ouvir Apple, música da Charli XCX, e não deixar de pensar em como ela combinava tanto com o ex-treinador. Eis que surge o remix desta mesma música com a Japanese House e o meu primeiro pensamento é: Trevor Lawrence!!
Groselha à parte, o quarterback dos Jaguars é uma das figuras mais polarizantes na posição. Talvez seja a maior, no sentido de potencial talento. Afinal de contas, ele nunca atingiu as expectativas colocadas na época de seu Draft. Embora ele seja o último remanescente daquela classe de 2021 junto com Justin Fields, a história tomou outros percursos ao longo desses quatros anos. Fields virou um quarterback-ponte hoje, enquanto que Lawrence é um quarterback sólido, mas muito aquém do que se imaginava dele antes.
Por essas e outras, a chegada de Liam Coen pode trazer um novo gás a ele. O sistema de Doug Pederson sempre foi baseado nos passes curtos e no drop-back, com pontuais espaços para o jogo terrestre e assim vai. Quando as coisas funcionavam, era lindo. Porém, quando o oposto acontecia (cof, cof, Press Taylor chamando o ataque) e os ajustes não eram feitos, virava um pesadelo. Deu no que deu em 2024, por exemplo.
Já a filosofia do ataque de Liam Coen consiste em diversificar o jogo terrestre e, em especial, usar muito play-action. Baker Mayfield foi um dos melhores quarterbacks da liga no play-action: o 6° com mais jardas aéreas, de acordo com o Pro Football Reference. Já Lawrence foi o 21° nesta estatística.
Claro que o play-action é apenas uma parte do bolo, mas o sucesso de Tampa em 2024 nos dá alguns sinais do que podemos ver em Jacksonville neste ano. Baker teve a melhor temporada da carreira sob a batuta de Coen. Logo, essa melhora no play-action e operando um sistema mais amigável pode beneficiar Lawrence também.
Ok, a linha ofensiva ainda é um problema, mas o backfield é bom e tem dois recebedores com potencial absurdo. A defesa tem seus problemas, mas existe uma luz no fim do túnel. Trevor Lawrence não atingiu as expectativas, porém passa longe de ser um bust. O Jacksonville Jaguars está há anos comprometido com a autossabotagem, de fato. No entanto, 2025 pode ser o ano onde a maré comece a mudar. Desta vez, para melhor.
Leia também:
Um ensaio sobre o erro: Colts se colocam em um destino delicado para 2025
O medo de pagar McLaurin pode custar aos Commanders mais que dinheiro
5 maiores barganhas da NFL em 2025
Explicando a treta: por que os calouros de segunda rodada demoraram tanto para assinarem seus contratos?
Por que os Steelers pagaram (caro por) T.J. Watt — e por que estão certos
Mudança tática na NFL: sejam bem-vindos a era do 12 personnel
Quer ter todo conteúdo do ProFootball rapidinho em seu celular ou computador sem perder tempo? Acesse nosso grupo no WhatsApp e receba tudo assim que for para o ar. Só clicar aqui!






