O Século XXI criou uma perspectiva nova: as pessoas famosas por serem famosas. Elas não necessariamente fazem algo extraordinário, mas por si seu carisma faz com que milhões sigam-nas em redes sociais e prestem atenção em tudo o que elas fazem ou dizem. A transição de Logan Thomas, de quarterback no college para tight end na NFL, não despertou muita curiosidade do público. Nenhuma matéria foi publicada aqui em ProFootball ou na maioria da mídia americana – se muito, algum insider que cobre Washington deve ter falado sobre.
A transição de Tim Tebow, porém, é uma das (poucas) pautas desta intertemporada. E em sendo uma das poucas, foi espremida até não poder mais. Eu mesmo sou culpado disso, mas uma culpa consciente, quase que um dolo eventual. Então vamos ao espremedor de novo, mas por uma boa causa. Por mais carismático que seja, Tebow é um jogador há anos longe do futebol americano e sua contratação parece mais um golpe de marketing e vendas, aliado a uma possível boa influência de vestiário, do que qualquer outra coisa.
Involuntariamente, porém, Tebow é um grande case do que NÃO fazer no Draft da NFL. Sei que o evento já passou e este texto/vídeo muito provavelmente renderia mais em um mês de abril. Mas é um assunto que martelou na minha cabeça hoje ao conversar com meu querido Devis nesta manhã. Não poderia deixar de escrever sobre e aqui estamos.
O objeto do texto está no título: é um quasi-estudo científico com base no caso prático. A escolha de Tim Tebow na primeira rodada do Draft 2010 foi uma coletânea faraônica de erros que um time pode cometer, de maneira sistemática. Carismático, Tebow foi líder de um time que arrancou vitórias sofridas em 2011. Seu carisma, porém, não pode apagar os erros do Colorado naquele abril.
1- O técnico messiânico
Não vou me estender muito neste assunto porque será pauta de um texto do Deivis ainda nesta semana. Mas um erro comum que acontece no Draft – e que ficou evidente aqui na escolha de Tebow – é dar a chave do time para um cara e acreditar que tudo vai ficar lindo e maravilhoso porque, pura e simplesmente, ele É o cara para resolver tudo.
Josh McDaniels estava em seu segundo ano no Denver Broncos e tinha no currículo o carimbo de ser pupilo de Bill Belichick e a mente por trás dos vencedores ataques patriotas na segunda metade da década de 2000. Josh tinha poderes absolutos e chegou com aura messiânica no Colorado. Não havia pesos e contrapesos: sua palavra, lastreada na credibilidade que tinha, era lei.
Em 2010, Tebow caia na primeira rodada – como previsto – e McDaniels convenceu o resto[foot]https://www.providencejournal.com/article/20130611/Sports/306119935[/foot] do staff a trocar uma escolha de segunda, terceira e quarta rodada para subir e pegar o quarterback. “Saímos [do Combine] dizendo, ´Cara, esse garoto é único, ele tem paixão pelo jogo e pela vitória, foi um vencedor e você pode ver por quê, disse McDaniels na época[foot]https://www.denverpost.com/2010/04/24/tebow-quickly-impressed-mcdaniels-broncos-as-a-genuine-gem/[/foot]. O que me leva aos próximos dois pontos.
2- Amar o jogo não basta
Uma escolha de primeira rodada não é feita apenas por amor ao jogo, achar futebol americano a única coisa útil na face da Terra ou qualquer outra coisa do gênero. Claro que isso é importante, mas o oposto é mais perigoso do que esta questão é de única importante. Jake Locker, escolha de primeira rodada no ano seguinte, claramente não tinha o tesão necessário para ser quarterback profissional.
O grande ponto aqui é que esse amor incrível e fantástico de Tebow pelo jogo foi frequentemente usado como argumento para sustentar uma carreira bem-sucedida. Claro que é um fator importante (i.e. Tom Brady) mas não é algo que sustenta por si um relatório de scout e tampouco uma subida para primeira rodada de um prospecto que nem remotamente tinha nota assim.
3- All he does is win, all he does is win 🎵: ganhar no College não significa que ganhará na NFL
O argumento de McDaniels sobre Tebow ser um “vencedor” foi outro usado à rodo na época e igualmente nos primeiros snaps dele na carreira profissional. Tebow foi o primeiro segundanista a vencer o Heisman[foot]https://www.denverpost.com/2010/04/24/tebow-quickly-impressed-mcdaniels-broncos-as-a-genuine-gem/[/foot] e foi campeão nacional por Florida. É óbvio que Tebow teve um aspecto fundamental na vitória, mas é importante lembrar que seu estilo de jogo era plenamente adequado para o College Football, sendo uma ameaça em corridas e com falhas no jogo que não seriam tão punidas entre os atletas universitários.
Ademais, pouco se fala de quão absurdamente talentoso aquele time de 2008 era. Olha a quantidade faraônica de talento de NFL que o time tinha nos dois lados da bola:
- WR Riley Cooper
- WR Percy Harbin
- C Maurkice Pouncey
- OG Mike Pouncey
- TE Aaron Hernandez[foot] Sim, sua histórica tomou caminhos trágicos depois, mas não podemos deixar de dizer que era um bom jogador[/foot]
- CB Janoris Jenkins
- LB Brandon Spikes
- EDGE Carlos Dunlap
- CB Joe Haden
Vários desses ainda estão na NFL e, lembrando, o técnico do time é um dos melhores da história do College, Urban Meyer. Ele, aliás, foi o arquiteto da contratação de Tebow pelos Jaguars, dado que agora é head coach da franquia de Jacksonville.
4- Carisma que conquista e cega
Durante sua vida até então, o quarterback participou de missões humanitárias, sua mãe participou de um comercial no Super Bowl sobre a importância da cristandade e da família[foot]https://www.denverpost.com/2010/04/24/tebow-quickly-impressed-mcdaniels-broncos-as-a-genuine-gem/[/foot] e sua ética profissional sempre foi fora de série. “Ele trabalhava mais do que qualquer um no time e assim que ganhou o respeito de vários”, disse o linebacker Jarvis Moss para o Denver Post. Moss foi colega de Tebow tanto em Florida como em Denver.
A pura e simples parte carismática da personalidade tebowniana fez com que o oba-oba fosse pra lá de fora de série naquele Draft. Tebow era tão querido e um ser humano tão inspirador que sua história de vida dava uma vontade de ser aquele que apostou nela, não? Sem contar, claro, a parte comercial de venda de camisas, carnê de ingressos da temporada e todo o mais.
Ainda hoje, em 2021, a magia de Tebow opera. Ele liderou a venda de camisas na NFL em 2010 quando foi draftado pelos Broncos, e, adivinhe, fez a mesma coisa em maio deste ano quando juntou-se ao Jacksonville Jaguars. [foot]https://www.actionnetwork.com/nfl/tim-tebow-sets-record-jaguars-jersey-sales-mets-jets-broncos-gators[/foot]. Queira ou não, são negócios – mas isso não pode cegar uma decisão tão importante como uma escolha de primeira rodada.

5- Não compreensão das tendências da liga e para onde o jogo vai
Como já falamos aqui no site na série especial Semana 2008, a formação Wildcat tomou conta da NFL. Imediatamente, os times tomaram nota e no mesmo 2008 a liga viu vários times clonando o livro de jogadas de um Miami Dolphins que venceria a divisão e faria Bill Belichick soar frio nas sidelines do Gillette Stadium.
Estando presente naquele jogo e testemunhando o que o ataque adversário fizera com a defesa belichickana, McDaniels apertou o botão do empolgou como nunca e via em Tebow uma possibilidade de dominar a liga por anos a fio. Não apenas os Broncos caíram nessa ideia maluca. Já na segunda rodada do Draft de 2009 os Dolphins caíram ainda mais de cabeça no preceito e escolheram Pat White na segunda rodada com a ideia de utilizá-lo nos pacotes Wildcat. Não deu certo.
O grande problema é que rapidamente os coordenadores defensivos adversários aprenderam a domar a Wildcat – maior disciplina nos gaps e nas leituras começaram a aparecer por parte dos defensores na medida em que a formação não era surpresa. Perdendo seu elemento surpresa, perdeu o efeito.
Na época, parte das pessoas leram errado o ponto principal de para onde a NFL estava indo. Ela não voltaria 60 anos no tempo com wing-formations: como tantas outras vezes, ela incorporaria um elemento que fora amadurecido no college em anos anteriores. Ou seja, a spread formation, com vários wide receivers e um quarterback, bem, preciso. “O número 15 simplesmente avançava para frente ou entregava a bola para um dos running backs, isso é futebol americano de 60 anos atrás”, escreveu Peter King na Sports Illustrated da véspera do Draft[foot]Sports Illustraed, edição de abril de 2010. Time Inc.[/foot]. Naquele mesmo 2008, o Kansas City Chiefs começou a usar cada vez mais formações com recebedores espalhados e em shotgun: 62% dos snaps.
Em 2009, ano anterior de Tebow sendo draftado na NFL, três times usaram shotgun em pelo menos 50% dos snaps. A tendência que Kansas City importou do nível universitário viraria página cada vez mais importante dos livros de jogada da NFL. Veja a evolução de tentativas de passe da média da liga em 2009, 2010, 2011, 2012 e como estamos hoje:
- 224 tentativas em 2009
- 234 tentativas em 2010
- 249 tentativas em 2011
- 281 tentativas em 2012
- 355 tentativas em 2020
Ler essas tendências e evoluções é essencial por parte de um general manager. Uma possível tendência atual, por exemplo, é a figura do linebacker que marca bem o passe e não simplesmente é um protótipo de Pescador Parrudo[foot]v. Kubanacan no GloboPlay[/foot] cuja missão é dar uma paulada no running back que passar da linha defensiva. Os Broncos acabaram lendo errado tal tendência e pensaram em Tebow como uma peça de um paradigma dos anos 1940. Mas a NFL estava indo para o futuro e para o passe.
6- Scout the helmet
Eis um dos maiores problemas e que eu já incorri, vários técnicos também, você leitor, todos os torcedores: olhar para o capacete do jogador e não para suas habilidades ou intangíveis. Se Tebow não tivesse jogado numa powerhouse como Florida e fosse um quarterback da segunda divisão do college – com os mesmos números e mecânica, todo o resto igual: ele teria sido escolha de primeira rodada?
Muito provavelmente não. Sem o verniz de SEC e de um elenco potente, Tebow teria sua maquiagem escorrida e provavelmente não teria sido escolhido sequer nas duas primeiras rodadas do Draft de 2011. Vou mais além: os olheiros e analistas teriam sido até mais cruéis com os pontos negativos de seu jogo.
7- A falácia do diamante bruto
Não vamos falar aqui do Comendador ou de Maria Ísis, mas de uma falácia costumeira na NFL: o diamante bruto. Pega-se uma exceção de diamante bruto que deu certo – Patrick Mahomes, Josh Allen – e com base nela tende-se a acreditar que todos os jogadores com mesmo perfil vão dar certo porque, bem, Mahomes e Allen deram.
Acaba que não é bem por ai. Tebow nem diamante cru era, porque não era diamante propriamente dito como esses dois outros casos. Allen e Mahomes não tinham problemas absurdos de mecânica e eram diamantes porque tinham um braço potente – embora o processamento mental e leituras precisassem melhorar. Com excelentes comissões técnicas, melhoraram. Tebow tinha problemas de mecânica que em inúmeras vezes atrapalhou sua precisão, não tinha braço forte e ainda de cereja do bolo tinha problemas em processar o jogo – coisa que ficou ainda mais grave com defesas mais complexas e rápidas no nível profissional.
Não é como se isso não fosse avisado na época. “Quando Tebow recuava para lançar, ele parecia travar na primeira leitura e raramente saía dela, sua visão de campo não é boa. Ele precisa ler melhor as defesas e fazer as progressões de recebedores. Ele precisa sentir a blitz melhor, muitas vezes abandonou o pocket de maneira desnecessária”, escreveu Peter King[foot]Sports Illustraed, edição de abril de 2010. Time Inc.[/foot].. “Ele precisa ficar uns dois anos num excelente sistema de ensino para si”, completou. No segundo ano em Denver – já sem McDaniels – o professor de Tebow seria a Brilhante Mente Ofensiva Adam Gase como técnico de quarterback.
Na medida do possível, sendo justo, fizeram o que deu – o que culminou com a Tebowmania de 2011. Mas para além daquilo e para justificar uma escolha de primeira rodada, não teria como.
***
Claro que hoje é mais fácil apontar esses erros – embora na época, sendo muito otimista, Tebow poderia ser visto como no máximo uma escolha de meio ou final de segunda rodada. Mas esse é o grande ponto: a escolha do quarterback, hoje tight end, foi um paradigma do Draft e da própria NFL há 10 anos. Os Broncos tentaram ir por um caminho que acabou não se pagando.
Felizmente, para o torcedor, Peyton Manning seria free agent apenas dois anos depois – podendo dar um reset no sistema do Colorado. Manning foi campeão do Super Bowl 50 com Denver e fora amparado pela real causa-essencial das vitórias da Tebowmania: uma defesa que seria considerada uma das melhores da década e até mesmo da história, a No-Fly Zone.
Para saber mais:
🎥 Curti: Tim Tebow como novo tight end dos Jaguars: faz sentido?
Semana 2011: A explosão da Tebowmania
Semana 2008: A formação Wildcat domina a NFL
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